Onde você estava no dia 11 de
setembro de 2001? A semana passou apagando mais uma vez a tragédia. Durante quase
um mês, a grande pergunta do momento girou em todos os espaços de encontro,
fossem esses bares, escolas ou rodas de conversas entre amigos. Todo mundo tinha
uma história para contar. Alguns até com riquezas de detalhes que surpreenderiam
os mais crédulos, considerando logicamente o período de tempo que separava o
fato da narrativa atual. Outros até choravam pela tragédia vivida por milhares
de pessoas, que inocentes ou não, pagaram pelos erros de um regime político
autoritário e arrogante. Como num surto nostálgico coletivo todos se empenharam
em dramatizar suas histórias, dando toques especiais, e as vezes fantásticos
[num sentido mais restrito a fantasia], com o único objetivo de se fazer
evidente. O tema era o mesmo, mas o que diferenciava as narrativas eram os
recursos utilizados para impressionar e prender a atenção dos ouvintes. Assim,
todos pareciam querer se mostrar [e principalmente serem reconhecidos] como participantes
ativos de um fato que entrou definitivamente para a história como o dia em que
os americanos tiveram que baixar a cabeça diante da própria soberba.
Para não fugir a regra geral,
lembro que estava em minha sala de trabalho, num grande centro logístico de um
grande grupo de varejo, hoje de capital americano. O dia parecia tranquilo,
como todos os demais e as rotinas estavam sendo tratadas dentro da lógica de
resultados e metas estabelecidas para a área de recursos humanos. Nossa
principal preocupação era a rotatividade de empregados [ou turn over], que
logicamente gerava custos que precisavam ser controlados. O grupo que antes
tinha “orgulho de ser nordestino” passava por um período de transição e
readaptação as novas demandas do mercado globalizado. Deixávamos de ser
regionalistas para ser universalistas, ligados ao um forte grupo holandês que
não entendia nossa língua e muito menos nossa cultura. Neste sentido, esse tipo
de invasão também desmorona pilares sólidos e destrói símbolos que nos são
preciosos. Para nossos funcionários, naqueles anos o medo tinha algo de
concreto – o desemprego. Como numa espécie de retorno ao passado, os holandeses
tinham voltado a Pernambuco. Não havia Maurício de Nassau, mas havia impérios econômicos
incorporando empresas nacionais e passando como um trator em cima de nossa regionalidade.
O processo de aculturamento, onde uma cultura mais forte tenta se impor a uma
mais fraca deixa estragos irreparáveis, principalmente no campo das emoções.
Nosso corre-corre se justificava
pelas metas a serem alcançadas. Para garantir o emprego era preciso falar uma
nova língua, se tornar e mostrar qualificado dentro de novos parâmetros, investir
na empregabilidade e, acima de tudo, ampliar nossas net work. Tornamo-nos uma
espécie de nordestinos estrangeiros dentro do próprio nordeste. Até porque os holandeses
tinham verdadeiro horror dos nossos “vixe” e muito menos toleravam o “ochente”.
Não entendiam como podíamos gostar tanto de carnaval a ponto de nos orgulharmos
do maior bloco uniformizado do mundo, que ganhava a avenida mesmo fora do
período momesco. Os holandeses não se adaptaram ou não encontram os lucros pretensos. Nos tornamos então americanos, e assim mais uma vez revisamos nossos conceitos e costumes. Com a nova invasão cultural passamos a vestir outra camisa, jogar em outro time, o que
simbolizava a perda da nacionalidade, influindo logicamente em nossa própria
identidade. Interessante destacar que na era do mundo globalizado e das grandes
fusões, comerciais vestir a camisa da organização não se mostrava suficiente. Era preciso
tatuar a camisa, forma figurativa de evidenciar o comprometimento com seus
interesses que prevaleceria acima dos interesses ou desejos pessoais. Não havia
aviões despencando dos céus. Não havia terrorismo abertamente declarado. Mas
havia ameaças e medos. Havia pânico no ar. E isso tudo também se dava de
setembro a setembro.
Mas aquele dia 11 seria
diferente. De repente a correria sinalizava algo imprevisto, fora dos padrões
de controle. O telefone tocou e alguém do outro lado me comunicou o início da
terceira guerra mundial. Literalmente, a notícia me caiu como uma verdadeira
bomba. Nunca tinha vivido uma guerra e a única ameaça experimentada se dera na
década de oitenta, quando os ingleses lutavam contra os argentinos pela posse
das ilhas Malvinas. Desci as escadas e um grupo de funcionários, postados
diante da televisão, instalada na área de socialização, assistiam abismados o
choque dos aviões contra as famosas torres, que juntas pareciam também formar
um numeral específico – 11. Era impressionante a nitidez das imagens, como
também se tornara nítido o medo e angustia estampadas nos rostos das pessoas. Parecia
mais um filme de ficção, daqueles considerados verdadeiras obras de arte devido
à qualidade dos efeitos especiais.
As pessoas mudavam de canais
procurando maiores informações e até mesmo melhores cenas. Havia de certa
maneira um fascínio pelo acontecido. Era realmente fantástico, no sentido
visual. Impressionante e hipnotizador. Sem dúvida era um momento histórico como
dos poucos que temos a oportunidade de participar ou presenciar. Aquela cena em
que o avião atravessa a torre nunca saiu da minha cabeça. Era perfeito demais
para ser ficção cinematográfica. Aquilo superava Hollywood. Quando a primeira
torre começou a desmoronar o pânico tornou-se histérico. Pessoas começaram a
gritar, gente desmaiando, enquanto outros ficaram simplesmente atônicos diante
da grande tela. Ninguém entendia direito o que estava acontecendo, mas todos
sabiam das repercussões. Os impactos políticos, e consequentemente econômicos
mexeriam com a vida de todo mundo. A história passaria a ser contada como antes
e depois dos atentados de 11 de setembro. Os Estados Unidos jamais seria a
mesma nação. O mundo jamais se mostraria o mesmo.
Dez anos depois, os americanos se
empenham em restaurar a ordem perdida. Acima de tudo, os esforços se concentram
na recuperação da soberania política. Novos espigões de concreto reforçado
surgem em substituição às torres gêmeas para fortalecer mais uma vez o
imaginário mundial da super potência. O fantástico novamente toma conta do mundo.
Será que essas torres suportarão outro
ataque feito aquele? Serão realmente tão resistentes a ponto de suportar o
impacto causado por um novo avião? As perguntas e dúvidas agora se concentram
na possibilidade de novos atentados. E como numa espécie de desejo
inconsciente, ou tendência natural às desgraças, de certa forma, o povo parece
esperar por reviver a tragédia. Neste sentido, a mídia parece contribuir
definitivamente para o novo surto coletivo da pós-modernidade, divulgando
detalhes sobre as estruturas, cimentos super potencializados, novas estratégias
de engenharia, haste metálica que possibilitará a manutenção da torre em pé
nos casos de grandes impactos, e toda a parafernália da pretensa e utópica proteção
doentia dos americanos. Isso mostra que na terra do cinema tudo se torna um
novo espetáculo a cada novo dia. Não seria deferente com as torres gêmeas. Não seria
contrário no governo Obama. É como se dissessem ao mundo: “queremos ver alguém
derrubar agora”, ou no melhor estilo soberbo do Tio San, “estamos prontos para
ganhar dos inimigos”. Mas neste sentido, talvez valha uma maior reflexão sobre quem
realmente se configura como inimigo dos Estados Unidos. Na minha pobre, humilde
e talvez infundada percepção política, os Estados Unidos se mostra o principal
inimigo dos Estados Unidos.
Talvez neste momento que se diz
de homenagem as vitimas, mas onde as pessoas se concentram exclusivamente no
ato de relembrar onde estavam ou o que faziam no exato momento da colisão, seja
necessário também refletir sobre o que representa a destruição das torres
gêmeas. O que está por trás dos atentados. E sobre tudo, o que está por trás da
reconstrução do conglomerado de grandes edifícios no mesmo local. A restituição
da dignidade através do respeito e da admiração mundial será da nação ou dos
americanos propriamente? Considero realmente confusa tais divagações, mas num
sentido mais lógico, me parece que as vitimas da tragédia perderam espaço nas
discussões e objetivos atuais. Neste sentido, penso até que ponto as mesmas não
foram propositalmente transformadas em mártir e/ou heróis para esconder ou
minimizar as culpas e erros de um governo obsessivo por guerras e mortes? Não
se discute mais as responsabilidades do governo americano sobre o atentado
[será que algum dia já se discutiu?]. Ao contrário lhes instituem o lugar de
vítima injustiçada.
Mas neste sentido, será que o atentado de 11 de
setembro é tão mais grave que os atentados americanos contra os iraquianos, por
exemplo? Será que o número de mortos em setembro de 2001 é tão maior do que o
contingente de assassinatos promovidos pelos americanos ao longo de todos esses
anos? Ou a vida de um norte americano vale mais do que a vida de um vietnamita?
Quantas mulheres e crianças foram e continuam sendo violentadas e mortas pelos
soldados americanos? Quantos prédios foram destruídos pelos super sônicos e
ultramodernos aviões de guerra dos Estados Unidos? Quantas aldeias foram
queimadas? Quantas populações foram dizimadas? Ou será que isso não tem importância?
Não foi com helicópteros invisíveis que os americanos invadiram o esconderijo
de Osama Bin Ladem? Não foi a queima roupa que o filho dele foi assassinado? A mesma
frieza não foi utilizada para matar também uma de suas esposas? E quanto a Sadan? Não foram os americanos que o mataram? Mas talvez isso
não nos cause mais comoção [e muito menos emoção] porque nós mesmos instituímos
aos Estados Unidos o papel e o poder para livrar o mundo do terrorismo. E para
combater os terroristas vale tudo, inclusive disparar contra crianças indefesas
e transmitir ao vivo para o mundo. É o espetáculo da barbárie promovido pelos
mestres do cinema. Assim, talvez seja interessante repensar sobre quem realmente se apresenta como terrorista mundial? E sobre tudo, quem ou como nos defenderemos dele?
Acho que pensar sobre a tragédia
do 11 de setembro é tantes de tudo refletir sobre as tragédias e terrorismos promovidos
pelos americanos ao longo de suas histórias de luta. Ou será que já nos
esquecemos de Hiroshima e Nagasaki? E neste ponto esclareço que não sou
anti-americano, mas sou totalmente anti-hipocrisia política e discursiva. Por
isso é sempre bom lembrar que não se exige respeito sem se respeitar o próximo.
Não se conquista soberania ameaçando e aterrorizando os pares. Não se pode
querer limpar o mundo da injustiça dos ditadores sem fazer o dever de casa. Não
se combate torturadores praticando torturas. E não se protege vidas
assassinando crianças e pessoas indefesas.
Penso que num mundo de lutas pelo poder
exacerbado não existe inocentes, mas apenas primitivos selvagens com egos super
inflados que não enxerga um palmo a frente dos próprios olhos. Assim, ao invés
de pensarmos sobre o que fazíamos, ou onde estávamos no exato momento da
colisão dos aviões contra as torres gêmeas devamos pensar sobre a nossa parcela
de responsabilidades sobre as tragédias que acometem a humanidade. Refletir
sobre nossa inércia e omissão diante de tais situações. É preciso mudar a lógica vendida, para que o 11 de setembro
se configure não como uma data para comemorações, pois não há o que se comemorar, mas simplesmente
como espaço para reflexões futuras. Ponto ou fato de referência para se pensar até onde pode chegar a barbárie humana [a nossa própria barbárie].
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