sexta-feira, 27 de maio de 2011

EXPLORAÇÃO SEXUAL DE MENINOS NAS RUAS DO RECIFE


Epitacio Nunes e Normando Viana
Coordenadores do Projeto História de Meninos



MENINOS QUE FAZEM PROGRAMA

Esse texto é parte integrante do artigo: A invisibilidade do Masculino, não podendo ser reproduzido, integral ou em parte, sem prévia autorização.

Por:
Epitacio Nunes de Souza Neto
Normando José Queiroz Viana

Nas ruas do Recife verifica-se nuances na dinâmica e prática da prostituição que demonstram como esta vem se reformulando e se (re)adequando as novas possibilidades demográficas e/ou sociais da contemporaneidade. Não mais exclusiva do feminino, a prostituição tem perpassado as questões de gênero, idade, etnia/raça e classes sociais. Dentro desses novos arranjos, territórios e modalidades vêm sendo recriados para permitir a manutenção e prática da atividade sexual comercial em atendimento a um mercado que vem se expandindo e se consolidando como segmento econômico. Neste aspecto, destaca-se a ação concreta dos agenciadores no processo de inserção de crianças e adolescentes no mundo da prostituição, que envolve também os meninos. Reconhecidos como “cafetões de boys” , estes agenciadores se revelam nas figuras de empresários comerciais, boys de programa mais velhos e experientes que se intitulam “donos dos pontos”, ou ainda em muitas situações, na figura de familiares.

Tem chamado a atenção a implantação e o fortalecimento de um comércio formal e informal, que se dá a partir da prostituição masculina, e que contribui diretamente para sua legitimação e institucionalização enquanto atividade “profissional” ou “meio de se ganhar dinheiro fácil”. Novos cenários são organizados nos grandes centros urbanos, ao passo que cinemas, saunas, bares, boates, sex-shops, pousadas e motéis, entre outros empreendimentos, vão se instalando estrategicamente nas principais vias de acesso, compondo uma espécie de rede de serviços e produtos específicos e especializados (VIANA, 2010). E prioritariamente à noite, quando este mercado abre espaço à vitrine humana, os corpos traduzidos em músculos, bundas, seios e pênis, passam a circular causando desejos e despertando fantasias que podem se tornar realidades mediante negociação e pagamento. E cada corpo, ou ainda, cada parte destes corpos, bem como, cada sentimento que possa advir dos mesmos, têm um preço. Eis a lei que estabelece os parâmetros para quem compra e vende prazeres sexuais (SOUZA NETO, 2009), inclusive para e por parte de crianças e adolescentes.

Apesar de regido pelas leis do capitalismo, explorando a força de trabalho humano, este mercado tende a apresentar regras mais flexíveis que os demais segmentos econômicos, possibilitando aos executores da prostituição certa autonomia e protagonismo (VIANA, 2010). O contato direto com os boys de programa nos possibilitou além de conhecer suas inserções sociais e trajetórias de vida, informações sobre algumas destas regras que norteiam não só a definição de valores para os programas, como também horários de atividades, locais de concentração e circulação, espaços para realização dos programas e as modalidades e práticas sexuais realizadas.

Em consonância com Ana Mª Ricci Molina (2003), destacamos que no Brasil, a prostituição vem sendo exercida por crianças e adolescentes, onde as condições socioeconômicas desfavoráveis, as relações de gênero, bem como a dinâmica familiar tem se apresentado como fatores constitutivos. Neste sentido, Fábio, boy de programa de 26 anos, evidencia que “para quem é do subúrbio” as noções de idade se configuram de uma forma diferente. Seu primeiro programa aconteceu na rua, quando tinha nove anos, em troca de comida. Diz que para quem é pobre e mora no subúrbio “o pior é que não tem idade”. Direto e seguro, revela a sabedoria popular aprendida e adquirida nas ruas onde: “o que importa pro mundo não é a idade”, pois “tem gente que gosta de curtir com gente muito jovem”. Assim, afirma, dentro de uma lógica que evidencia seu lugar de excluído, que “para nós que somos do mundo não tem essa coisa de idade”. Com certo orgulho, diz que sua história “daria para encher pelo menos três livros”, porque começou “nessa vida muito cedo”. Nas ruas da cidade desde os seis anos, revela ter aprendido as “regras da vida” e as leis da sobrevivência adquiridas na “batalha”: “Saí de casa com seis anos... lembro de quase tudo. Nas ruas aprendi roubar, matar e a me prostituir” (SOUZA NETO, 2009).

Dentro desse contexto, consideramos que a prostituição infanto-juvenil pode ainda ser entendida enquanto dispositivo capaz de oferecer sentidos as histórias de vida dos sujeitos envolvidos, com representações relacionadas à resistência e possibilidades de sobrevivência diante das condições de privação, revelando também uma dimensão de solidão e revolta (MOLINA, 2003). Em diferentes estórias constatamos certo roteiro no processo de inserção, quase sempre envolvendo um homem mais velho que seduz um mais novo através das possibilidades de ganhos. Todavia, nem sempre estes se darão através do pagamento direto, mas muitas vezes, como uma espécie de escambo, onde os corpos serão trocados por comida, roupas ou outros bens quaisquer. Mesmo em tais situações, seria ingênuo desconsiderar outros fatores motivacionais, tais como a descoberta dos prazeres e desejos proporcionados pelo sexo comercial, que permeando tudo isso, muitas vezes se encontrará de forma vinculada aos processos de inserção destes meninos na prostituição.

Percebemos que a discussão relativa ao envolvimento de crianças e adolescentes no universo da prostituição, seja através da exploração sexual ou de certas possibilidades de “escolhas” para se manter no mercado do sexo, como pudemos verificar nas ruas de Recife, causa grande estranhamento e incomodo, ou como diria Rubin (1993), até mesmo, “certa histeria social”. A dificuldade de falar sobre o tema parece de certa forma, motivado pelo lugar de vítima outorgado as crianças pelos movimentos sociais em defesa dos seus direitos. No entanto, o processo de inserção, não generalizando e, obviamente não pretendendo discriminar, aparece entre os meninos e meninas de camadas populares também como alternativas viáveis de acesso e vivência da sexualidade.

Talvez a grande questão consista na necessidade de se refletir sobre a idade de autorizo para o sexo. Neste sentido, confessamos nossas dificuldades em concatenar as idéias, livre dos conceitos relativos aos ideais construídos sobre o que é ser criança e ser adolescente. Por isso propomos uma discussão que não finda agora e nem tem a pretensão de se esgotar com esse estudo. Mas, falamos de uma análise de base construcionista social, focando a influência dos constructos culturais sobre nossas lógicas de pensamento, visando ampliar a discussão e preencher o vácuo científico no que se refere à construção de conhecimento relativo ao envolvimento e participação de meninos na prostituição e exploração sexual.

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