quinta-feira, 10 de março de 2011

CARNAVAL 2011 - SOB A PROTEÇÃO DO OLHAR DE BACO


Sábado de Carnaval - Camarote da Metrópole - Recife/PE.



A VIGILÂNCIA E A COBIÇA DOS OLHARES.

 

Nada me chamou mais atenção neste carnaval do que os olhos alheios. Verdes, azuis, caramelados ou negros, todos, olhos. Intensos, opacos, arregalados, sobressaltados, insensatos ou arredios, todos olham. E se olham. E se vêem. O tempo todo e todo o tempo. E se é que existe um tempo exato para o exercício do olhar, este se perde no deleite dos corpos. Percorrendo cada parte, íntimas ou não, os olhos acompanham cada detalhe ou movimento de músculos que não raramente insistem em saltar de pequenas peças. E por mais coberto que se esteja sempre haverá quem nos desnude com olhos que cobiçam e desejam.

O carnaval é assim, como um grande mercado público onde a carne fica a mostra. E exposta ansia por ser devorada. E carne cobiçada se come com os olhos, ao mesmo passo em que se é comido, seja por olhares atrevidos ou ainda escondidos por trás de lentes escuras. E nesse jogo erótico quebram-se as regras quando as iris se dilatam para ampliar o campo de observação. O objeto de desejo é medido dos pés a cabeça e a imagem como que micro-filmada é mantida na memória para fantasias solitárias. Se nisso existe pecado, que culpem meus olhos, pois que se atrevem em adentrar por decotes e barras que moldam, ou se moldam a peitos e bundas. Que os condenem por infringir a norma ao invadir o privado dos corpos alheios para atiçar a imaginação. Se existe traição, que se ponderem os conceitos, pois que os olhos são arredios e desconhecem preceitos.

Nos clubes ou ladeiras as situações se repetem. Os olhos miram, avaliam e medem. Pessoas se transformam em imagens fotográficas que povoam. Os olhos indagam e inquirem informações complementares que se mostram sem grande importância. Essencialmente não é quem que se olha, mas a que ou o que. Pode ser parte, pois que nem sempre o inteiro agrada. Pode ser ângulo, pois que posições inusitadas escondem imperfeições. Pode ser detalhes, pois que nem sempre o conjunto fará justiça à obra. É a carne retalhada que se torna melhor esganiçada pelo selvagem. Aos que cobiçam ao longe a complacência, mas aos que forçam o ataque, os olhos condenam. Ou não. Sabe-se lá? O certo é que quem olha sabe o que pensa, mas em sua maioria desconhece os sentidos do outro. E se os olhos não autorizam, cortam, desdenham ou maltratam.

O olhar enigmático encanta. O perdido atiça a curiosidade. Mas o assertivo, muitas vezes desmonta o mais autoconfiante dos esnobes. Existem os languidos assim como se espalham os vivazes e interesseiros. Os sorrateiros e desinibidos. Numa festa luxuriosa como a nossa, todos olham e se provocam. Aprovam-se ou reprovam-se. Insistem ou buscam novos alvos mais condolentes. Tristes ou contentes tomam conta até mesmo de quem não conhecem. Por que no carnaval daqui é assim. Todos os olhos se sondam e se vigiam. Como que guardando a carne pretendida, ainda que nunca chegue a se consumida. São os olhares de posse e cobiça que se contradiz aos desconsolados, que rejeitados se fantasiam de velhas raposas que partem em busca de uvas menos verdes e inacessíveis. Olhos que se maltratam por ambicionar corpos narcisicamente inatingíveis.

Os olhos pidões clamam por piedade e talvez por isso se contetem com as sobras. São as velhas hienas devorando carcaças que se encharcam de salivas. Há também os românticos que nunca cruzam os olhos de príncipes ou princesas. São olhos tristes que não entram na dança e choram como pierôs apaixonados que esperam o desconhecido num próximo bloco. Na contramão da bucólica passividade, os olhares fulminantes ropem barreiras intransponíveis aos menos audaciosos. Encantam suas vítimas como boas najas e com beijos eloquentes roubam o ar dos desavisados.

Domingo de Carnaval - Ladeiras de Olinda/PE.
O olhar se traduz no ato de aplicar o sentido da vista. Procurar ver, algo ou alguém. Deriva do latim “adoculare”, que por extensão se entende como ato de fitar os olhos ou a vista, mirar ou contemplar. No sentido mais popular que nos cabe, olhar de cara é encarar. Estar de frente é estar voltado para alguma coisa ou algum lugar. Mas olhar também é pesquisar, observar, sondar, examinar ou estudar, mesmo que apenas possibilidades. Atentar ou reparar, ainda que com sentido zombeteiro e venal. Pois que os olhos também matam o que não se deseja, o que se repele ou não excita. Não se sai no carnaval sem ser olhado, avaliado e logicamente qualificado. Os mesmos olhos que categorizam também rotulam e estigmatizam os corpos. São os olhos dos debochados que não apenas reputam, mas também julgam e [des]consideram.

Tem olhos soltos e olhos presos. Tem os que se revelam e se expõem em paqueras incansáveis e voláteis. Outros se privam dos olhos gordos, pois que alguns são mesmo de mal argoro e por isso metem medo. Os olhos amedrontados se espantam com tanta algazarra e libertinagem e viçam em seus isolamentos. Fazem coro os olhos apavorados que diante de tanta comilança se benzem e fogem apressados. São olhos dos que se dizem salvos por canalizarem suas libidos aos céus e pedirem punições para as novas Sodoma e Gamora pernambucanas. A esses, os olhos de Baco sorriem, pois que suas carnes já servem ao banquete de outros deuses. A fora isso, que castigo haveria de vir se em Recife e Olinda não existe mais espaço para tanto fogo. Aqui, nosso fogo que queima também é divino, pois que o Rei Sol queima a carne por dentro e nos faz transpirar de alegria. Nossas lagrimas escorrem pelos [e nos] corpos que choram o suor que exala o cio visceral e assegura a fertilidade. Não é bacanal, mas é festa. ladeiras, flertes, pegações e multidões.

Assim, carnaval é vinculo com a natureza que se mostra em ebulição sob o comando de Dionízio. É o retorno aos ritos pagãos do deus Pã que autoriza a liberação dos instintos. Festa observada pelos deuses antigos através dos olhos de foliões. Sejam verdes, azuis, caramelados ou negros, serão sempre olhos zelosos que protegem, cuidam e velam por nossa sanidade. E se é verdade que “o que os olhos não vêem o coração não sente”, também vale a máxima de que “a carne é fraca”, e por isso no nosso carnaval, “quem não come com a boca, lambe com os olhos”.
Av. Conde da Boa Vista - Recife/PE.
Ruas de Olinda/PE.


Ladeira da Misericordia - Olinda/PE.




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