sexta-feira, 4 de março de 2011

CARNAVAL DO RECIFE: O DIA QUE JOÃO DA COSTA SILENCIOU O GALO

Galo da Madrugada na Av. Guararapes. Foto do
Jornal do Commercio, 10.02.1991.


A CIDADE ATRASADA – O DESRESPEITO DE UMA GESTÃO INEFICIENTE

Enquanto morador do bairro da Boa Vista, me acostumei a acorda nas quartas-feiras das semanas pré-carnavalescas ao som do co-co-ri-có. Era o anuncio fantástico de que o Galo já estava de pé sobre a Ponte Duarte Coelho, que atravessa o rio Capibaribe para interligar as duas ilhas que forma o centro do Recife. Também me era comum, como aos muitos foliões que habitam os amontoados de prédios da Av. Conde da Boa Vista, correr a janela para reverenciar o símbolo máximo de nosso carnaval. Porém, para minha surpresa ou decepção, fui frustrado em minha atitude que já se configura como tradição. Não havia Galo. Não havia nada. Apenas a estrutura metálica que aporta o grande Pálio, localizada na Av. Guararapes figurava descoberta e sem grandes atrativos.

Esse, logicamente, não é o primeiro (e com certeza não será o ultimo) registro de descaso da atual gestão municipal, encabeçada pelo atual prefeito trapalhão João da Costa. É surpreendente e vergonhosa a ineficiência de sua gestão, como é ultrajante sua falta de comprometimento com a manutenção do patrimônio público. Tanto que ao longo dos dois últimos anos de mandato evidencia-se a insatisfação dos recifenses, que erroneamente decidiram apostar em um político e gestor totalmente desconhecido e inexpressivo, feito pelo prefeito antecessor. Pena para o povo que perde com o desrespeito a suas tradições e culturas. Pena também para a cidade que tem se tornado fedorenta e mal conservada. Pena das pessoas em situação de rua que se encontram desamparadas e sem cobertura da assistência. Penas que faltam nas asas do galo, que até hoje pela manhã estava ao lado de seu corpo esquelético e inerte, jogado sobre a ponte. Pena para a visível decepção no rosto dos transeuntes acostumados a desordem provocada pelas mudanças necessárias a passagem do bloco.

Nossa sorte é que o carnaval se faz por si só. Independente do reconhecimento e respeito dos gestores públicos, nossa alegria contagiante repara os equívocos e enganos inconsequentes dos descomprometidos enganadores do povo. É que o pernambucano não nega suas origens e muito menos suas tradições que se valorizam e se consolidam através de seus costumes. Somos com água que bate na pedra e furando-a exige passagem. Assim é o Galo da Madrugada, assim é o nosso carnaval que se faz em (e de) história. História essa que talvez o atual prefeito desconheça, ou ainda pior, desconsidere. História essa que vale a pena ser lembrada e recontada as futuras gerações. Em falta de conhecimento, talvez essas seguintes linhas consigam desperta gestores desavisados sobre o valor e importância das tradições que forma a cultura de um povo. Povo que é eleitor. Povo que não esquece os descasos descabidos.

Façamos então um retrocesso na história para tentar resumir uma história prá lá de secular e que se renova a cada dia, a cada novo ano. Neste sentido, dizem os estudiosos que o Carnaval é a uma festa dionisíaca. Dionísio, conhecido deus grego, que segundo a tradição realizava festas homéricas regadas a muita bebida, era também conhecido como o Rei do Vinho, ou Rei Baco entre os romanos. Assim, quando se fala em festa dionisíaca remete-se em sentido direto ao entusiasmo e inspiração criadora de seus seguidores. Pode-se então supor que o carnaval é uma festa divina que exalta os instintos mais naturais e espontâneos do homem. Dionísio, também conhecido como deus dos ciclos vitais e da alegria, representa a natureza agitada, arrebatada e desinibida, o que muitas vezes favorece o tumultuo, a confusão e a desordem, revelando traços da personalidade pernambucana. Traduzindo tudo, podemos dizer que o carnaval é a festa da liberação geral e da liberdade sem limites, onde tudo pode, sem grandes censuras ou regras normativas.

Entre o povo cristão, no período medieval, tais manifestações populares eram reconhecidas como período das festas profanas, que se iniciavam geralmente no dia de Reis e se estendiam até a quarta-feira de cinzas, marcando os jejuns quaresmais. O profano em si, consistia em festejos que incluíam manifestações sincréticas originárias dos ritos e costumes pagãos. Então o carnaval perde o sentido divino para ser reconhecido como profano, uma vez que tanto as festas dionisíacas (ou Baco), saturnais (em homenagem ao deus Saturno – Cronos, na mitologia grega) e lupercais (celebradas anualmente na Roma antiga, em 15 de fevereiro, em honra ao deus Luperco ou Pã, para assegurar a fertilidade) eram marcadas pela alegria sem limites, pela liberação da repressão e da censura, bem como pela liberdade exacerbada em atitudes críticas e eróticas. Desta forma, qualquer semelhança com nosso carnaval, com certeza, não terá sido mera coincidência.

Decoração do Carnaval ou Propaganda Política?
Ponte Duarte Coelho - Recife/PE.
Profano ou divino, o carnaval chegou ao Brasil ainda nos meados do século XVII, trazido pelos portugueses. Apesar dessa origem lusitana, sabe-se, porém, que a nossa festa tem influência européia, principalmente francesa, onde o carnaval acontecia nas ruas e salões de bailes. As mascaras e fantasias já eram recursos comuns e disponíveis aos foliões e a influencia estrangeira torno-se visível através das figuras do Rei Momo e das tantas Colombinas, Pierrôs e Arlequins, entre outras, que invadem nossas ruas. Neste sentido, a festa momesca assume o caráter de farsa e irreverência. Com o início do século XX, o carnaval se popularizou no Brasil, marcando o surgimento das machinhas carnavalescas. Dizem também que a primeira escola de samba, foi criada em 1928, no Rio de Janeiro, que na época chamada de Deixa Falar, passou a ser conhecida nos dias atuais como Estácio de Sá. Quanto à origem do samba existe uma verdadeira celeuma uma vez que alguns estudiosos destacam a origem carioca, ao passo que outros reivindicam o batismo baiano, e outros, o pernambucano. Discussões a parte, o que importa é que aqui nossa festa é marcada pela multiculturalidade, com sua principal representação no frevo.

O frevo que deriva de “frever”, que por extensão se entende “ferver” como água em chaleira quente, metáfora perfeita para nossa cabeça quente e explosividade aflorada onde se fala o que quer e o que pensa sem papas na língua. O frevo se afirmou como dança de rua e de salão, ritmada em compasso binário e andamento mais rápido que o da machinha carioca. Quem dança frevo é conhecido como passista, porque marca a dança num passo que se transforma em alegorias coreográficas individuais ou coletivas, improvisadas e frenéticas. Num entendimento extensivo, pode-se dizer que frevo assume o significado de desordem, arrelia e barulho, pois que se origina da capoeira que era modalidade de luta/dança dos antigos dos escravos.

Galo da Madrugada sobre a Ponte Duarte Coelho:
A decepção coletiva de uma gestão ineficiente.
Hoje em Pernambuco destaca-se o Clube de Alegorias Galo da Madrugada, criado em 1977, no bairro de São José, com o objetivo de reviver as origens e tradições dos antigos carnavais de rua. O Galo da Madrugada, como é mais conhecido, desfila a mais de três décadas no sábado de Zé Pereira para anunciar a alvorada do carnaval. A grande concentração acontecia na estreita Rua da Concórdia, onde os foliões se espremiam e se acotovelavam num empurra-empurra amistoso e divertido; com apoteose na Av. Guararapes que se torna pequena para acomodar a alegria de mais de um milhão e meio de fanfarrões. Considerado o Maior Bloco Carnavalesco do Planeta (Guiness Book, 1995), o Galo muda de itinerário este ano para melhor acomodar seus seguidores. Assim, abandona a tradicional Rua da Concórdia para se aventurar pela Av. Dantas Barreto, mais ampla e retilínea, mas a meu ver, menos glamorosa. De qualquer forma o bloco não perde sua irreverência ou filosofia carnavalesca de origem, e muito menos sua integralidade com o povo pernambucano.

Resta-nos apenas refletir e nos responsabilizar por nossas escolhas, bem exigir providências que priorizem o respeito a nossa dignidade. Não só relativa ao carnaval, mas principalmente em relação aos milhares de excluídos, que independente da modalidade da festa, continua o ano inteiro a margem de uma sociedade pautada na desigualdade social e amparada por políticas públicas ineficientes. Neste aspecto, considero válido repensar no carnaval das pessoas em situação de rua, afinal de contas eles compõem com certeza um bloco de excluídos que teria tudo para entrar também no livro dos recordes.

Av. Conde da Boa Vista - Recife/PE.
Que venha Momo, Dionísio ou Baco para nos trazer sensatez e consciência política e cidadã.

Bom carnaval a todos!

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