quarta-feira, 9 de março de 2011

CARNAVAL 2011 - O DESRESPEITO COM A TRADIÇÃO CULTURAL DE UM POVO

Sexta-feira de Carnaval - Bairro da Boa Vista - Recife/PE.









O FIM DO TRADICIONAL CARNAVAL DA BOA VISTA.

Seguramente podemos afirmar que este foi o carnaval mais tranquilo de todos os tempos. Ponto positivo para as gestões municipais das duas grandes cidades – Recife e Olinda, referências nacionais do carnaval multicultural. No entanto, por outro lado, registramos também o carnaval mais frio e desestruturado da nossa história. Ponto negativo para o estado de Pernambuco que sempre se consolidou como o melhor, mais irreverente e tradicional carnaval de ruas do Brasil.


Ponte Duarte Coelho - Sexta-feira de Carnaval - Recife/PE.

A magia foi comprometida em nome da mesmice e da falta de conhecimento de causa. Os transtornos começaram logo cedo com o Galo da Madrugada. Símbolo máximo da festa recifense, em plena sexta-feira ainda não apontava na Ponte Duarte Coelho para anunciar o reinado de Momo. Já no centro da Av. Guararapes os últimos retoques apressados tentavam recuperar em vão, o brilho e a beleza tradicional do gigantesco Pálio, representação do Maracatu que a mais de uma década se destaca por evocar a cromaticidade do nosso carnaval. Destaque-se ainda uma decoração inexpressiva que não conseguiu contagiar os foliões. Repetitiva e pobre com belas figuras femininas se que perderam nas dimensões das pontes que cortam a capital pernambucana.

Em algumas ruas as fitas vermelhas e amarelas se mostraram enquanto recurso ultrapassado que só evidenciou a falta de criatividade ou indisponibilidade de recursos. Assim, Recife pareceu mucha de alegria e cores. Revelou-se apagada diante de tanta propaganda e marketing. A falta de criatividade e descomprometimento sociopolítico também puderam ser sentidas, ou melhor, ouvidas em músicas chulas e apelativas que se espalharam pelos quatro cantos da cidade. Enquanto uma exaltava a “posição da rã” em referência direta as posições sexuais, outra repetia sucessivamente um trocadilho acelerado onde o verbo “fugir”  se confundia com o ato de “fuder”. Nesta despropositada fanfarrice super heróis se multiplicavam pelas ruas, avenidas e ladeiras cantando “Foge, foge Mulher Maravilha. Foge, foge com o Superman”. Não se ouvia os velhos frevos, mas em troca tivemos o chato suing do “toma negona... toma na bochecha”. Não se ouviu novos sambas ou afoxés, muito menos maracatus, mas talvez por falta de alternativas um eco humano pode repetir incansavelmente o refrão que dizia: “vou não, posso não, minha mulher não deixa não!”


Av. Guararapes - Sexta-feira de Carnaval - Recife/PE.

Ainda nesse cenário de incoerências o famoso e tão aguardado show de abertura oficial do carnaval recifense mostrou-se mais uma vez recheado de estrelas da música popular brasileira que nada entendem de frevo e por isso não representam nossa alegria. Neste sentido não pudemos culpar os artistas, pois que são excelentes profissionais em sua maioria. O que se pode e deve questionar é o valor agregado a nossa cultura. Somos multiculturais em sentido de expressões artísticas próprias que se mantém por conta, e a custa, da nossa tradição. É neste sentido que não se evidencia ligação nenhuma entre Marina Lima, Wanessa da Mata, Maria Gadú, entre outras/os com o nosso carnaval. Sem querer parecer bairrista ou mesmo invocar um movimento ou sentimento de exclusão das demais expressões artísticas e culturais, insistiria afirmando que somos ricos em diversidade e originalidade musical que melhor representam nosso carnaval. Sugiro então, que ao invés de se investir em grandes cachês para trazer toda essa variedade de artistas consagrados no cenário nacional, que tal repensarmos na valorização e resgate de nossos tradicionais blocos de rua, afoxés, caboclinhos, maracatus e escolas de samba, que sofrem para se manterem vivos? Isso sem falar nos ganhos com novas possibilidades de investimentos em composições, seja através de festivais de frevo ou patrocínios que possibilitassem a sobrevivência de nossa própria cultura e valorização de nossos artistas e nossa gente.

Mas como diz o ditado popular: “em casa de ferreiro, espeto de pau”. E numa lógica mercadológica que se pauta nas facilidades do “encontrar pronto”, pois que fazer o novo parece dar sempre mais trabalho, nossos atuais e geniais gestores preferem continuar investindo nossos impostos em uma espécie de processo de aculturação ao replicar uma cultura de massa que só tem contribuído para apagar nossa memória. Ponto negativo para a falta de entendimento e de comprometimento com nossas genuínas manifestações culturais. Ponto negativo para nosso povo que inconscientemente, ou inconsequentemente, de forma passiva aceita e incorpora músicas e melodias vazias que nada nos diz ou dirá de nossa gente, histórias e costumes. Neste aspecto é preciso que se entenda que esse processo de aculturação silenciosa compromete em muito o desenvolvimento sociocultural das futuras gerações pelo simples fato de alienar nossa originalidade e criatividade.

Desfile de Agremiação na Av. Conde da Boa Vista
Também vale o registro de que já algum tempo o carnaval do Recife, vem se transformando no Carnaval do Recife Antigo. Diga-se de passagem, num carnaval falso burguês que pode ainda ser classificado como festa para estrangeiro ver. Avitrinou-se o carnaval tendo como justificativa a reestruturação da Avenida Conde da Boa Vista que mais desorganizou e atrapalhou a vida do recifenses do que contribuiu com melhorias significativas. Não só se congestionou o trânsito, mas também o desfile dos blocos que foi comprometido em nome da preservação e manutenção da tão famosa via urbana. Baniram  os trios elétricos e freviocas por comprometerem o asfalto e assim, anularam a alegria de um povo que formava um tapete de cabeças coloridas e frevavam Recife adentro. Hoje poucos blocos refazem o percurso original e parecem ser estimulados a mudar de roteiro. Alguns seguem puxados por pequenos carros de som e escassas orquestras de frevo. Este ano a avenida se transformou em simples corredor de acesso, meio do caminho que levava ao nada. É que a escutura do galo da madrugada, apesar de mais bela e imponente que nos anos anteriores, permaneceu os cinco dias de carnaval num completo breu. Talvez não tenham tido tempo para pensar numa iluminação digna de sua esplendorosa plasticidade. Ou talvez, simplesmente tenha faltado, mais uma vez, os tão sonhados e necessários entendimento e respeito ao povo. De uma forma ou de outra, fato é que o carnaval a cada ano parece se afastar mais do bairro da Boa Vista, sendo concentrado no bairro do Recife Antigo.

Com a mudança do roteiro tradicional do desfile do Galo da Madrugada, que esse ano foi transferido para a Av. Dantas Barreto, o que facilitou sua fluidez, sumiu também o antigo pólo da Av. Guararapes que concentrava e animava os foliões moradores do bairro. Não havia palco montado e muito menos shows. No lugar, apenas a infraestrutura montada para o Galo da Madrugada, que readaptada e muito menos organizada e sem acomodações adequadas ao público serviu de espaço para o desfile das agremiações de caboclinhos, maracatus e escolas de samba. Era a representação máxima de um carnaval feito para pobres, onde tudo é muito feio e se dá numa avenida nua e desprovida de emoção e respeito. Que diga-se do descaso com o antigo prédio do Trianon, tradicional espaço de antigos e coloridos camarotes, que este ano se revelou desintegrado da folia. A central espiga branca de janelas quebradas continuou comportando seu público seleto, porém presos numa redoma sem encantos e desnudo do colorido tais foliões pouco viram do Galo e, consequentemente quase nada viram do verdadeiro carnaval pernambucano. Questiona-se então, se será este o fim do carnaval do também tradicional bairro da Boa Vista, ou terá sido apenas falta de cuidados? Para nossa sorte, ainda permanecem no bairro os espaços para as tradições de resistência negra que acontecem no Pátio do Terço e Pátio de São Pedro. Espaços estes, que continuam contando com menor infraestrutura enquanto se investe pesado nos espaços brancos e sem memória nos entornos do Marco Zero.

Av. Conde da Boa Vista - Sext-feira de Carnanval
Por fim, talvez esse seja mesmo o maior propósito das atuais gestões. Ilhar o carnaval e aburguesar a tradição que não é branca e nem tão pouco higienista, mas ao contrário é multicolorida em sua diversidade étnica e misturada em costumes que lutam para se manter íntegros e vivos em sua originalidade. Deste modo evidencia-se, também no carnaval, a eterna luta de vida e de morte entre a manutenção da tradição e a invensão da contemporaneidade de um carnaval vazio e sem grande expressividade.

Faltou originalidade no carnaval 2011. Acima de tudo faltou emprenho e investimento digno. Assim, se podemos afirmar que esse foi o carnaval mais tranquilo de todos os tempos, principalmente no bairro da Boa Vista, é simplemente pelo fato de não ter havido realmente carnaval em Recife.

E viva o Carnaval da inclusão!



Sexta-feira de Carnaval - Av. Conde da Boa Vista
 
Av. Conde da Boa Vista - Sexta-feira de Carnaval

Decoração do Carnaval - Ponte Duarte Coelho - visão do Antigo Trianon

Av. Conde da Boa Vista, Recife/PE

Desfile das Agremiações na Av. Conde da Boa Vista



Desfile de Agremiações e a desestrutura da Av. Conde da Boa Vista
 

2 comentários:

  1. ADORAMOS A SUA REFLEXÃO A CERCA DAS PESSOAS QUE VIVEM A MARGEM DA BOA VISTA, POIS NESSA MESMA LINHA DE PENSAMENTO FIZEMOS UM TRABALHO DE VIDEO-ARTE, UMA VEZ QUE SOMOS ARTISTAS (JOÃO DANTAS E WANDERSON ARAÚJO), ONDE A TEMÁTICA DESSE NOSSO TRABALHO FOI EXATAMENTE FOCADA EM CIMA DE UMA REALIDADE ROTINEIRA E IGNORADA PELA MAIORIA DOS PASSANTES DA BOA VISTA. PARA MAIORES INFORMAÇÕES SOBRE NOSSO TRABALHO CONSULTE O SITE coletivocampodeacao da pagina wordpress

    ResponderExcluir
  2. ADORAMOS A SUA REFLEXÃO A CERCA DAS PESSOAS QUE VIVEM A MARGEM DA BOA VISTA, POIS NESSA MESMA LINHA DE PENSAMENTO FIZEMOS UM TRABALHO DE VIDEO-ARTE, UMA VEZ QUE SOMOS ARTISTAS (JOÃO DANTAS E WANDERSON ARAÚJO), ONDE A TEMÁTICA DESSE NOSSO TRABALHO FOI EXATAMENTE FOCADA EM CIMA DE UMA REALIDADE ROTINEIRA E IGNORADA PELA MAIORIA DOS PASSANTES DA BOA VISTA. PARA MAIORES INFORMAÇÕES SOBRE NOSSO TRABALHO CONSULTE O SITE coletivocampodeacao.wordpress.com /

    ResponderExcluir