sábado, 11 de junho de 2011

DE COSTAS PARA O RECIFE


Familia desasistida no centro do Recife
cotidiano do centro urbano


A GREVE DA ASSISTÊNCIA SOCIAL EM RECIFE

Recife, capital pernambucana, tem aproximadamente 219,493 Km². Seu clima é quente e úmido, e a temperatura média é de 25º. Geograficamente, as áreas planas da cidade ocupam apenas 23% da extensão territorial, onde habitam milhares de pessoas. Pode-se então dizer que Recife é uma cidade cercada por morros, uma vez que estes representam 67% de todo o território metropolitano, onde logicamente habitam outros milhares de pessoas. Possui ainda uma área aquática equivalente a 9,31%, onde inevitavelmente também habitam milhares e milhares de pessoas que ocupam as áreas ribeirinhas e mangues. O resto é lindas praias, que se estendem por 8,6 Km da costa, onde se divertem poucos e trabalham muitos.

O sono dos inocentes
cotidiano do centro urbano
Politicamente, ou melhor, administrativamente, a cidade está dividida em 06 Regiões Político Administrativas. São as famosas RPAs, que podem melhor ser entendidas como “Regiões Politicamente Arrasadas ou Abandonadas”, para quem o prefeito atual costuma dá as “Costas”. Cada uma dessas é formada por uma enorme quantidade de bairros [RPA 1 - Centro 11 bairros, RPA 2 – Norte 18 bairros, RPA 3 – Noroeste, 29 bairros; RPA 4 – Oeste, 12 bairros; RPA 5 – Sudoeste, 16 bairros e RPA 6 – Sul, 08 bairros]. Ao todo são 94 bairros, dos quais 70,2% representam as ZEIS. E não pense João que tal nomenclatura significa o plural de ZEUS, ou ainda a escrita errada do número SEIS. Na verdade são Zonas Especiais de Interesse Social [mas talvez alguém já tenha te falado sobre isso]. Ou seja, a cidade do Recife possui 66 zonas especiais de interesse social. Mas o que isso realmente significa? Será que você sabe João? Traduzindo, essas zonas podem ser entendidas como porções territoriais, prioritariamente destinadas à recuperação urbanística, à regularização fundiária e produção de habitações de interesse social. Neste sentido, inclui-se a recuperação de imóveis degradados, a provisão de equipamentos sociais e culturais, espaços públicos, serviços e comércio de caráter local [deu para entender ou quer que desenhe?].

Moradias improvisadas
cotidiano do centro urbano

Mas aí, a pergunta seguinte será: por quais cargas d´água estamos falando sobre isso? E eu explico. É que segundo o Plano Piloto do Governo, identificar e reconhecer as ZEIS de uma cidade possibilita incorporar a cidade clandestina à cidade legal. Resumindo, o objetivo é associar desenvolvimento urbano à gestão pública, e assim, entender o direito à cidade e à cidadania [simples, não é mesmo João?]. Diríamos que teoricamente é perfeito enquanto estratégia política e de gestão pública. Mas o problema é que em Recife “perfeito” não é sinônimo de “prefeito”. E não é mesmo, João. Até porque perfeição é o Estado do que é perfeito, que vem do latim “perfectu”, e significa “feito até o fim”. Ou seja, perfeito se configura como algo acabado, terminado, algo que reúne todas as qualidades concebíveis. Perfeito é aquilo que atinge o mais alto grau numa escala de valores. Algo incomparável, único, sem-par. Alguma coisa que corresponde precisamente a um conceito padrão ideal, podendo ser classificado como ótimo; excelente e/ou irrepreensível [será que isso lhe diz algo?]. Já “prefeito”, também derivado do latim “praefectu” traduz-se como “posto como chefe”, ou seja, aquele que está investido do poder executivo nas municipalidades.

A realidade cruel de crianças e adolescentes
excluidos - cotidiano do centro urbano

O que quero dizer é que enquanto perfeição [perfectione, do latim] representa o conjunto de todas as qualidades, ou a ausência de quaisquer defeitos; prefeitura [praefectura, do latim] torna-se apenas uma representação da administração municipal. Logo João, extensivamente prefeito representa apenas um cargo ocupado por alguém, por algum período. Resumo da ópera: as pessoas podem sempre ser perfeitas em suas ações, atitudes, comportamentos e atividades, mais não podem ser prefeitas ou “prefeituráveis” para sempre. Assim, se prefeito é a figura de alguém que foi “posto como chefe”, significa que apenas ocupa temporariamente o cargo a mando, ou por decisão de alguém. No nosso caso, especificamente o povo. E este temporariamente nem sempre precisa significar os quatro anos de mandato legal, podendo inclusive ser reduzido ou eliminado. Cabe apenas ao povo [quem se habilita ao movimento de impeachment, que nada mais é do que o processo político, não criminal, que tem por objetivo apenas afastar o presidente da república ou qualquer pessoa do executivo?].

Descaso e omissão pública ns ruas do Recife
cotidiano do centro urbano

Voltando as questões do Recife, João, é preciso considerar que a sua população há dez anos foi estimada em 1.422.905 habitantes, correspondendo a 43% de toda população da Região Metropolitana [formada por 14 municípios]. Destes, 26,16% são de crianças e adolescentes; 67,33% de jovens e adultos; e 6,51% de pessoas idosas. Ainda segundo dados da própria prefeitura, Recife possui apenas 376.022 domicílios particulares permanentes, dos quais 87,96% contam com abastecimento de água; apenas 43% estão ligados à rede geral de esgotamento sanitário; e taxa de analfabetismo beirando os 14% (IBGE, 2000). De quem será a culpa, João? Entendes agora porque estás muito longe da perfeição?

A dignidade vencida pelo cansaço
cotidiano do centro urbano

Muito tenho te falado sobre as desigualdades sociais de nossa cidade, como também há muito tenho apontado a ineficiência da atual gestão. Mas hoje, chamo tua atenção para um fato inusitado, ignorado inclusive pela mídia e imprensa escrita: a greve dos profissionais da assistência social, que resolveram paralisar as atividades dia 30 de maio [Como podes deixar isso acontecer. O povo continua nas ruas, João?]. Segundo e-mail divulgado pela categoria, os educadores sociais do IASC [Instituto de Assistência Social e Cidadania – será que ainda existe?], bem como os assistentes sociais, psicólogos, pedagogos e auxiliares administrativos dos CRAS [Centro de Referência da Assistência Social] e do único CREAS [Centro Especializado da Assistência Social] estão em greve por melhores salários e condições de trabalho. Será que você entende alguma coisa do que estamos falando? Por via da dúvida, melhor transcrever a “Carta Aberta à População Recifense” que provavelmente você também recebeu [só não sei se teve tempo ou interesse em ler].

A carta diz o seguinte, João: A política de assistência social em Recife sofre com a total falta de prioridade política e administrativa por parte da Prefeitura do Recife através da Secretaria de Assistência Social deixando, dessa forma, a população está quase que totalmente desassistida. Esta política sofre de um processo de invisibilidade. Legitimada como política pública desde 2004, a Assistência Social ainda está longe de ser implementada com o mesmo status e importância de outras políticas públicas no município. Apesar da gestão atual sempre mencionar que o social é sua prioridade, isso não se evidencia no cotidiano de sua administração. A precariedade na Assistência Social no Recife vem desde a gestão anterior, na qual iniciou os serviços descritos pela Política Nacional de Assistência Social. Desde 2007, os servidores públicos manifestam sua indignação com a gestão municipal quanto à falta de responsabilidade e compromisso com a população que necessita dos serviços da assistência social.

Nesta gestão são evidenciadas diversas debilidades, dentre essas se destaca o número reduzido de Centros de Assistência Social (CRAS) e a não prioridade no município em estruturar esses equipamentos. Recentemente o Ministério Público abriu um inquérito para averiguar a situação dos CRAS e cobrar uma resposta da gestão municipal para a efetivação da política. Esses centros não existem na prática, pois dos 12 (doze) implementados no município apenas 03 (três) funcionam com local adequado para atendimento e, ainda mais para se ter uma idéia do caos, existe CRAS sem assistentes sociais e psicólogos, funcionando apenas com auxiliares administrativos. Há um déficit de profissionais para atender a população e não há outra desculpa para isso a não ser a falta de vontade do prefeito para repor o quadro funcional e convocar os aprovados no concurso de 2007, que ainda está vigente e seu prazo de validade é até dezembro deste ano.

Enquanto isso os serviços são insuficientes para atender a demanda, e os poucos profissionais da Assistência Social estão sendo alocados para cobrir os abrigos com as pessoas atingidas pelas chuvas. Alem disso, não é a toa que adolescentes e crianças estão às ruas ou se envolvendo mais cedo na criminalidade e no trafico de drogas, pois o PROJOVEM Adolescente é quase inexistente e o Programa de Erradicação ao Trabalho Infantil (PETI) é inoperante. Contudo, nos parece que prioridade para a gestão municipal está apenas na fala e em participação de eventos, pois nada se evidencia no dia a dia de uma política tão importante para uma cidade com altos índices de violência e desigualdade.

João, a greve em si mostra-se apenas como resultado de uma situação calamitosa que há muito se arrasta motivada pela tua ineficiência, tua falta de entendimento e de compromisso com a gestão pública. Neste sentido, interessante é observar o texto publicado no próprio site da prefeitura, enfatizando que “o Recife se destaca historicamente pelas suas lutas, envolvendo grande parte da população carente de infra-estruturas e serviços urbanos [você já leu isso?]. continuando, o texto diz que essa tradição se revela forte, desde as lutas libertárias aos conflitos pelas terras urbanas dos mangues e da planície. Outra forte característica do Recife, e que está associada à tradição referenciada, é o seu poder de organização, de reivindicação e de negociação, atribuindo marca emblemática à cidade [não é isso que está se fazendo agora, João?]. Apesar o texto ser quase romanceado, revela fatos importantes como o de possui grande número de organizações e movimentos populares que se fazem presentes nas várias instâncias de poder, procurando influenciar na concepção, formulação, implementação, monitoração e controle das políticas públicas. Portanto, a tradição do Recife é de um povo que se envolve nas lutas pela liberdade e pelo direito à vida, pela democracia, pelo desenvolvimento sem exclusão. Isto revela um forte compromisso com as causas coletivas e assegura o apoio à gestão que tem por base a participação e o controle social.

A exclusão sentida na pele
cotidiano do centro urbano

A grande questão, João, é que ironicamente ao negar condições dignas de trabalho e reconhecimento aos profissionais da assistência social, a tua gestão desmente e invalida todo um histórico de lutas. A contradição emblemática concentra-se exatamente em tua postura autoritária e descompromissada com as necessidades e desejos de seu povo. Na postura omissa de um prefeito que olha a cidade de “Costa”. Oh, João, e quantas vezes já te falamos que não é de Costas que se governa uma cidade como Recife? É preciso que entendas que para se efetivar a garantia de direitos da população, tais profissionais precisam também ter seus direitos garantidos. Isso é elementar. Por isso, volta para a escola, João [mas a pública não, porque para essa você também virou as costas e a comprometeu em qualidade]. Falo da escola das ruas, João. As ruas que estão cheias de famílias desassistidas por tua culpa, ineficiência e arrogância. Mas volta de frente, com coragem de ver e reconhecer o caos no qual você transformou o centro urbano. De frente João, para entender de uma vez por todas que você pode até “estar prefeito”, mas nunca chegará à perfeição necessária ao cargo. Até porque essa se traduz como maior grau de bondade, pureza ou virtude a que alguém pode chegar [o que não se aplica no teu caso]. Porque perfeição representa execução sem falhas, precisão, requinte, esmero [o que não se aplica a tua gestão]. Por fim, perfeição representa apuro, maestria e perícia [o que não se aplica a tua conduta]. Por isso, acorda João e encara o Recife de frente.

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