domingo, 2 de setembro de 2012

A TRANSEXUALIDAE EM PAUTA - NOTÍCIAS E REFLEXÕES





A DIVERSIDADE DAS IDENTIDADES DE GÊNERO

Nesta semana, mais uma vez, as temáticas sexualidades e gênero voltaram à pauta dos principais meios de comunicação, seja na mídia tradicional ou virtual, pelo mundo inteiro. As discussões contribuem para a importância de se repensar a urgente necessidade de respeito às diferenças através do reconhecimento legal e social das identidades. Neste sentido destaca-se que identidade relaciona-se diretamente ao que nos constitui enquanto sujeitos, individuais e únicos. Parte do próprio reconhecimento sobre o que se é, muitas vezes, em oposição ao modelo hegemônico biologista. Isto significa a necessidade de se abandonar o restrito argumento do sexo biológico como único parâmetro para definição das identidades de gênero. Se na antiguidade a ciência acreditou que a identidade de gênero poderia, ou deveria ser adequada ao corpo; na atualidade, a mesma reconhece a inviabilidade das práticas médicas voltadas a domesticação da subjetividade, dimensão fundamental a estruturação e desenvolvimento das identidades humanas. Assim, estudos e pesquisas acadêmicas têm revelado que ao contrário do que se pensava o corpo sim, mostra-se passível de mudanças e adequações objetivando a consolidação do auto-reconhecimento sobre as identidades de gênero, favorecendo o estado de bem estar, que define o conceito de saúde.

A exemplo disso, na cidade de Buenos Aires, Argentina, um professor de xadrez da rede pública de educação, assumiu sua nova identidade de gênero após as férias escolares. José D´oro agora se chama Melissa e se reconhece como travesti. Torna-se assim a primeira professora transexual da capital argentina. Há mais de seis anos iniciou sua transição, que incluiu a implantação das próteses de silicone nos seios, mesmo vestindo-se com roupas masculinas. Pai de duas filhas, 21 e 16 anos de idade, sentencia: “Eu sempre soube o que eu era e, quando era criança, por causa da minha delicadeza, sofri violência de gênero e tive que mudar de escola. Hoje, depois que tirei a capa de homem, me sinto muito melhor comigo mesma”. Por parte das escolas, os pais dos alunos foram comunicados sobre a alteração de sua aparência após as férias.  ''Ela é uma excelente professora e as crianças têm que se acostumar'', disse uma das mães dos alunos ao jornal La Nación. O mesmo sentimento é compartilhado pela também professora Claudia Araujo, que disse ter explicado a mudança aos alunos por meio de contos para abrir o debate sobre a temática sexualidade e gênero. Para ela, ''as crianças e jovens têm muitos exemplos que vêem na televisão. Eles têm muita informação e entendem essas questões melhor que os adultos. Estamos em uma sociedade que muda frequentemente e acho que a decisão da Melissa foi corajosa''. Em Buenos Aires, a partir de junho de 2011 passou a vigorar a Lei de Identidade de Gênero, que permite a mudança de nome em documentos civis, além de garantir o acesso aos tratamentos médicos necessários à mudança de sexo através da rede de saúde pública. Para o antigo professor, a lei era o que faltava para que “cada um possa assumir quem realmente é”. No que se refere a sua identidade declara não sentir a necessidade de se submeter à cirurgia de transgenitalização: "Eu sou travesti e não tenho conflito com meu corpo".
Se a história da professora portenha choca por confrontar nossas tradições machistas e conservadora, ou ainda  parece distante de nossa realidade, é bom saber que fato semelhante aconteceu, também este ano, no Brasil. A professora Marina Reidel, viveu como Mário durante vinte nove anos na cidade de Montenegro, Rio Grande de Sul, até se transferir para Porto Alegre, onde iniciou sua transformação. Descendente de alemães se descobriu do sexo feminino ainda na infância. Durante a adolescência concluiu o magistério em um colégio de freiras, e posteriormente graduou-se em artes. Aprovada em concurso começou a lecionar em escolas públicas do estado. Seu processo de transformação se deu de forma gradual, começando pelos cabelos, que deixou crescer; passou a usar brincos; e, por fim, adotou o nome social. No ano de 2006, licenciou-se das atividades profissionais e iniciou o tratamento a base de hormônios, cirurgias plásticas e implante de protestes de silicone. A direção da escola estadual também promoveu palestras sobre a temática e comunicou aos alunos que a professora não seria a mesma quando retornasse as atividades. Apesar das providencias administrativas Marina manteve-se cautelosa: "A gente aprende a sempre esperar o pior" disse ela em entrevista concedida ao jornalista Daniel Aderaldo (iG, 15.05.2012). Seu retorno ao trabalho foi tranquilo, não enfrentando grandes resistências por parte dos alunos, pais, colegas de profissão ou gestão da instituição de ensino: "Claro que causou espanto, mas em nenhum momento houve problemas sérios", disse ela. Como desafios futuros apresentam-se, a defesa de dissertação de mestrado em educação pela Universidade do Rio Grande do Sul, onde analisará a realidade e prática de professoras travestis e transexuais em escolas brasileiras; e a cirurgia de mudança de sexo.
Já em Pernambuco, na semana passada o educador físico Alexandre Emanuel conseguiu uma liminar na justiça que obriga o estado a pagar sua cirurgia para mudança de sexo, a ser realizada no Hospital das Clínicas de Goiás, já que o serviço antes prestado pelo Hospital das Clínicas da UFPE está suspenso por falta de profissionais especializados, fato já divulgado neste blog. No dia 29 de agosto, a Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco anunciou a implantação no Estado de um centro especializado no atendimento a transexuais masculinos e femininos, dentro de um prazo máximo de seis meses. Segundo a diretora de Políticas Estratégicas da Secretaria de Saúde, Andreza Barkokebas, com a implantação do serviço, Pernambuco será o segundo estado do país a ter um centro de referência em mudança de sexo credenciado pelo Ministério da Saúde.
Enquanto isso, em Brasília, o estudante de ciências políticas da UnB trava uma batalha administrativa para ser reconhecido pelo nome que escolheu. Nascido menina, Marcelo, aos vinte e dois anos, quer ver nos documento da instituição, voz dos professores, colegas e funcionários, sua nova identidade formalizada legalmente e reconhecida. Depois de anos tentando compreender tudo o que sentia, ele conheceu – e aprendeu – sobre transexualidade. Com ajuda de amigos e da terapia, compreendeu que não era uma simples “mulher lésbica”, mas sim, homem - a vontade de ser vestir como um garoto tinha explicação. Para a jornalista Priscilla Borges declarou que não foi fácil se libertar da antiga identidade. “Não é e nunca será fácil, eu acho” (iG, 10.05.2012). Sua primeira providência foi comunicar ao pai, que reside no interior de Pernambuco e com quem restringiu suas relações após a reação contrária. O segundo passo foi contar aos amigos sobre sua nova identidade, com quem escolheu seu nome social. Depois disso cortou os cabelos e desde então luta pelo reconhecimento e respeito dentro da instituição de ensino. Marcelo Caetano antes de se transferir para Brasília cursava o curso de direito na UFPR onde tinha reconhecido a sua identidade social em todos os documentos da instituição, fato não estabelecido pela UnB. Assim era preciso a cada início de semestre conversar com cada professor sobre a situação. Segundo ele, alguns reagiam de forma natural e atendiam ao pedido. Outros, no entanto, se negavam, contribuindo para a efetivação das humilhações sofridas em sala de aula.  “A aceitação foi muito tranquila, de modo geral. Cheguei aqui com uma postura muito diferente. Já fiz muitos amigos, mas essa questão do nome é muito importante. Rodei tudo quanto é decanato em busca de ajuda, porque hoje tenho que abrir minha intimidade aos professores e correr o risco de ser atendido ou não”. Cansado dos constrangimentos, no dia 26 de janeiro entrou com um pedido junto a universidade para o reconhecimento incondicional do nome social e aguarda decisão definitiva da UnB, que ao que tudo indica será favorável. “A sociedade deveria tratar a situação dessas pessoas com mais atenção e não fingir que elas não existem. O procedimento para mudar os documentos de quem não se sente dentro do gênero que nasceu deveria ser mais fácil”, afirmou o professor de direito e chefe de gabinete do reitor, Davi Diniz.
No mesmo caminho, o da garantia de igualdade de direitos, em maio deste ano, o Conselho Estadual de Educação do Estado de Ceará regulamentou a adoção do nome social de estudantes travestis e transexuais em todos os documentos internos das escolas onde estudam, incluindo as instituições de educação básica e ensino superior vinculadas ao sistema de educação estadual. A nova regulamentação também permite que alunos/as com menos de dezoito anos optem pela utilização e reconhecimento do nome social dentro das instituições desde que apresentem autorização dos pais ou responsáveis. A nova regulamentação se pauta na chamada popularmente “Lei do Nome Social”, já aprovada em alguns estados, incluindo Pernambuco [Decreto Lei nº 35.051, de 25.05.2010], que permite aos servidores públicos  adoção e utilização do nome social em documentos institucionais.
Também vem do Ceará a notícia sobre a primeira travesti doutora em educação do Brasil. No mês passado, Luma Nogueira Andrade defendeu sua tese de doutorado, pela UFC, revelando o cotidiano das travestis matriculadas na rede estadual de ensino, onde os maus-tratos tendem a se tornar corriqueiros. Se durante a infância sentiu na própria pele o preconceito por parte de professores e colegas de turma, na juventude enfrentou o mau no mesmo ambiente ao se tornar funcionária pública concursada, passando a lecionar em uma escola do interior. Com o título “Travestis na Escola - Assujeitamento ou resistência à ordem normativa”, Luma apresenta um levantamento das travestis matriculadas na rede estadual de ensino do Ceará e narra os maus-tratos sofridos por elas no ambiente escolar. Ao longo do trabalho, os relatos das entrevistadas se confundem com sua própria história de vida, permitindo um cruzamento de autobiografia e etnografia. “Eu ia percebendo em minhas interlocutoras que, na verdade, existe uma diversidade de formas de travestis e que a realidade que elas vivem não é a mesma que eu vivi”. Com o estudo, aprovado para publicação em livro, ela destaca a inexistência de professores e gestores com formação que vá além do conteúdo das disciplinas, dando conta das questões de gênero não apenas para tratar da homossexualidade no currículo, mas principalmente lidar com as especificidades de cada pessoa. Para o antropólogo Alexandre Fleming Câmara Vale, um dos professores a participar da banca examinadora, a tese de Luma é um “marco” para os estudos sobre travestis. “É a primeira vez que uma travesti escreve sobre a experiência das próprias travestis” (iG, 17.08.2012).
A quem acredita que tais assuntos não lhes dizem respeito, o melhor a fazer é buscar por informações. Afinal de contas, a sociedade se transforma a partir das demandas sociais, das necessidades do próprio homem, que se constitui e se constrói na própria sociedade e cultura. As resistências são do âmbito pessoal e atende a interesses particulares. Porém é sempre bom lembrar que a garantia de igualdade de direitos revela-se e se estabelecem em uma dimensão maior – o bem coletivo. Neste sentido, vale destacar que não se precisaria de tanto trabalho e barulho se nossa Lei Maior, a constituição Federal, fosse respeitada. Ou todos não somos iguais perante a Lei? Uma sociedade democrática se consolida a partir do respeito individual e coletivo de seus membros. E se ainda tiverem alguma dúvida sobre o que é diversidade sexual, na realidade de nossa cultura, aproveitem o próximo domingo 17 e participem da Parada da Diversidade, na orla de Boa Viagem. Boas diversões reflexivas!

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