terça-feira, 3 de abril de 2012

PRENUNCIO DO INVERNO

De minha sala escuto o cantar “zig-zadeado” de uma cigarra. Meus olhos correm para fora da janela, mas me defronto com as grandes paredes de concreto repletas de persianas coloridas. Estas torres de quadrados metálicos, forrados por cortinas, substituíram as árvores de minha infância. E era das árvores frondosas de meu quintal que as cigarras anunciavam a chegada do inverno. Quando elas cantam é sinal de chuva. Todo mundo sabe disso. Mas aqui a chuva também é diferente e não tem a mesma magia de outrora.

Chuva com sol, casamento da raposa com rouxinol, cantávamos quando crianças. Há quanto tempo não tomo um banho de chuva? Acho que da última vez estava a caminho do trabalho, e provavelmente reclamei e xinguei o mal tempo ou a má sorte. Quando nos tornamos adultos passamos a estabelecer outros tipos de relações com a natureza. É como se deixássemos de observá-la. O tempo da infância é diferente, parece maior. Os dias são mais longos e preguiçosos. Depois que a gente cresce não encontramos mais tempo para nada. Estamos sempre atrasados, o que nos gera angustia e estresse.

Não sei exatamente onde, ou quando, me perdi do menino que fui. Na verdade pouco me lembro dele. De um garoto que queria ser veterinário e desenhava em folhas de caderno. Que corria junto a um cachorro de pelo malhado, que dizíamos ser cor de burro quando foge. Um garoto que queria ganhar o mundo e descobrir coisas diferentes. Que se enfiava em livros e se perdia em mundos desconhecidos. Que subia em árvores e saltava de galho em galho durante o dia inteiro. Que comia azeitona roxa e pitomba, pitanga, araçá e caju. Que imaginava que podia ser “como gente grande” e pensava que sabia da vida. Não sabia!

Acho que todo mundo cultiva um pouco do complexo de Peter-Pan, querendo permanecer criança para sempre. As coisas parecem bem mais simples. Tudo é interpretado e absorvido com mais facilidade e sem grandes questionamentos racionalizados. Quando aprendemos a tornar as coisas complexas demais? Chatas demais? Difíceis demais? Provavelmente quando perdemos a ingenuidade. Quando insistem que não somos mais crianças e que devemos abandonar as fantasias e sonhos. Quando passam a nos tratar e nos olhar de outras formas. São essas coisas que vão demarcando nossos ciclos de vida. O próprio mundo parece se encarregar de nos dizer quando devemos abandonar a infância, quando saímos da adolescência, o quanto não se é mais jovens, e logicamente, quando nos tornamos idosos.

Provavelmente, o mundo também se encarregará de nos avisar quando deveremos nos preparar para morte e fim de nossa história. E neste ponto, planejo seguir a sabedoria dos elefantes, que se afastam do grupo para morrer sozinhos longe do bando. Não solitários, mas em paz consigo mesmo.


Um comentário:

  1. Fico aliviada por ver que o complexo de Peter Pan abraça a muitos de nós... principalmente quando o mundo parece tão sombrio ou pesado demais, ou ainda quando tudo é tão sério, e que se assim não formos o "mundo se encarrega de nos mostrar" o quanto somos imaturos ou inconsequentes... Para encarar tudo isso e continuar sorrindo, só olhando pelos olhos de uma criança mesmo.

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