terça-feira, 19 de julho de 2011

RECIFE: UMA CIDADE HOMOFÓBICA

O SILÊNCIO DOS INOSCENTES E A IMPUNIDADE DOS CRIMINOSOS

Dois homens caminham abraçados pelas calmas ruas de sua cidade. Duas gerações compartilhando histórias, experiências e felicidades. A relação amistosa dos dois chama a atenção dos brutos. São interpelados por bêbados. As agressões começam como brincadeiras. Alguém pergunta se são gays. Eles respondem que não e se identificam como pai e filho. Os toscos duvidam. Eles nunca caminharam abraçados aos pais. Talvez nunca tenham dividido histórias, experiências e felicidades com os filhos. Um deles se precipita e os agride. Os demais, como que em bandos acompanham o ato. Socos, murros, pontapés e chutes sucessivos são deferidos sem grandes motivos aparentes. Não são homens contra homens. São bárbaros contra gays imaginários. São inescrupulosos abrutalhados contra as representações da homossexualidade. Não se sabe quem tem mais medo. Quem apanha teme a vida. Quem bate teme a virilidade. Não é a pessoa em si que se abate, mas o próprio receio ao desejo do que é considerado impuro e indigno.

A narrativa pareceria cena de filme americano se não tivesse acontecido esta semana em uma cidade do interior de São Paulo. O homem mais velho, que se identificou como pai, teve parte da orelha amputada; o outro, identificado como filho, sofreu graves escoriações pelo corpo. Dois homens marcados pela violência que se pauta na homofobia. A notícia no Jornal Nacional talvez pareça distanciar o fato de nossas vidas, afinal de contas, essas coisas acontecem corriqueiramente na sociedade paulistana. Aqui as coisas não acontecem assim, dirão os mais desavisados. Nessas paragens as coisas acontecem exatamente assim, ou pior, dirão aos mais coerentes. Isso é coisa de mega-metrópole alegarão os alienados. Isso é coisa do Brasil, mostrarão estudos e pesquisas.

Um jovem é acuado por um homem dentro de seu Studio fotográfico. Seu rosto é golpeado pelas próprias câmeras. Seu crânio é amassado por pesados chutes. Seu pescoço envolvido por grossos fios. Seu corpo é abandonado no escuro silencioso da noite. Ele era gay? Perguntaram os mais apressados em apontar motivos. Ele era meu amigo, direi eu a quem tenta justificativas. Isso não aconteceu em São Paulo, mas ocorreu aqui, no bairro da Madalena, próximo ao centro do Recife. Assim como ocorreu com outro de meia idade, atacado em seu salão de beleza e degolado vivo. Se ele também era gay? Acho que isso é o que menos importa. Digo que era um homem digno e cumpridor com seus deveres e obrigações sociais. Um profissional de mão cheia. Um ser humano como poucos, morto na crepuscular Rua da Glória.

Um homem maduro é encontrado morto em um apartamento dos tantos prédios da Av. Conde da boa Vista. Sucessivamente golpeado com um banco de madeira. Acuado no silêncio obrigatório as relações clandestinas. Abatido dentro de casa como um animal doente. Do mesmo jeito que outro em Olinda. Um homem de classe média alta foi encontrado morto em sua piscina, divulgaram os jornais. Não havia pistas, não havia suspeitas, não haveria culpados, como em todos os casos. Não se encontrariam respostas, apenas corpos desfalecidos e desfigurados. Não se encontrariam provas, apenas suposições sobre crimes passionais, ou atos de marginais com quem as vítimas haveriam se envolvido afetiva e/ou sexualmente. Só restariam números mal contabilizados. Não haveria punições.

Ainda este ano outro amigo meu foi assassinado a pedradas e pauladas. O culpado não foi condenado porque não havia provas suficientes. A grande questão talvez consista em se analisar a situação a partir de outra perspectiva. Esses crimes são tão bem pensados e meticulosamente elaborados a ponto de não deixar rastros; ou os órgãos competentes estão tão despreparados, técnica e profissionalmente, a ponto de não encontrarem vestígios que levem aos suspeitos, e consequentemente aos culpados? Talvez não seja nem uma coisa e nem outra, o que nos levaria a pensar sobre o fato desses crimes não interessá-los verdadeiramente. Afinal de contas são apenas homossexuais assassinados. E talvez seus executores até estejam contribuindo para banir e acabar com a escória. Talvez ainda, tais crimes até sirvam, na cabeça de muitos, como lição aos novos afoitos que por ventura se sintam tentados ou desejosos a seguir na contravenção da normativa heterossexista. Uma espécie de recado tutelado pelo próprio Estado no sentido de controlar o desregramento das novas gerações.

De qualquer modo, tais ocorrências possuem a mesma causa. São crimes homofóbicos. Para quem não sabe [e creiam ainda existe que não saiba], a homofobia se caracteriza enquanto aversão a homossexuais. Por sua vez, ter aversão por alguém significa alimentar o ódio, o rancor, a antipatia, a repugnância e a repulsa pelo outro. Por sua vez, “fobia” se traduz como medo intenso ou irracional. Isso significa que quem a sente nem sempre sabe o motivo ou origem. Também pode ser entendida enquanto medo mórbido [ou doentio]; aversão que provoca hostilidade instintiva [da qual nem sempre se tem controle]. Assim, como existem pessoas que tem medo de lugares fechados [claustrofobia], existem as que temem o próprio ar [aerofobia]. E da mesma forma que algumas temem o vinho [enofobia], outras entram em pânico e sentem horror diante dos atos sexuais [erotofobia]. Do mesmo modo que algumas agonizam diante de baratas, outras se descontrolam diante de homossexuais. Mas neste sentido é preciso esclarecer que estes não são asquerosos ou perniciosos como tais insetos.

O medo em si não é sobre, ou dá, coisa que se apresenta diante de nossos olhos, mas o significado inconsciente do que representam. O objeto serve apenas como representação, talvez motivada por um redirecionamento da energia libidinal reprimida. Talvez não se encontrem motivos aparentes e concretos. Talvez não existam claros e lógicos motivos para o “desenfreamento” dos instintos impulsivos. Talvez Freud explique. Mas uma coisa é certa, neste sentido, terapia resolve. Então o que leva um ser racional [será?] a temer o semelhante que passa, abraçado ao filho, indiferente aos olhares angustiados em suas suspeitas temerosas? O que temem os recalcados em seus desejos lascivos? Que horror pode causar um pai ao acarinhar um filho? Que dispositivos são disparados nos cérebros primitivos a ponto de se temer dois homens juntos? A quem eles comprometem? Ou melhor, quais masculinidades serão fragilizadas e comprometidas por seus atos? A dos executores das carícias públicas, ou a dos frágeis reprimidos que os observam?

Se as carícias trocadas publicamente entre pessoas de sexos opostos não causam tamanha comoção ou assombro, é por que existe uma cultura que nos molda e/ou nos forma enquanto sujeitos pensantes e desejantes. Logo, a de se considerar a existência de uma cultura que estabelece normas, e que esta se estabelece entre as gerações como regra. A heteronormatividade estabelece a procriação como principal finalidade do sexo. Logo o desejo e prazer passam a ser reprimidos. Os desvios de padrões normativos passam a ser combatidos como forma de se perpetuar a regra maior, construída secularmente. Neste contexto, a homossexualidade se revela enquanto ameaça a manutenção da heteronormatividade. O medo, ou pânico irracional, sentido pelos homofóbicos não tem em si os homossexuais como alvo, mas a ameaça que suas relações representam diante das regras e normas que estabelecem o funcionamento de determinadas sociedades.

Penso que talvez seja difícil de entender. Penso que talvez seja até penoso refletir sobre mudanças de comportamentos e condutas. Mas uma coisa é certa, para algumas pessoas, a irracionalidade é a base que guia suas vidas. E estas permaneceram vítimas de seus próprios medos, atacando e tentando aniquilar aquilo que os apavora e amedronta. Talvez Freud explique. Talvez uma boa terapia baste.

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