quarta-feira, 26 de novembro de 2014

HISTÓRIAS DE UM PROFESSOR EM VIAGEM PELO SERTÃO PERNAMBUCANO

"POR CAUSE DE QUE" SÃO AS HISTÓRIAS DE NOSSO POVO!

Há exatamente um ano aceitei o desafio de lecionar no interior de estado, mais precisamente no sertão pernambucano. Apesar do cansaço devido à viagem prolongada por uma média de seis horas em estradas maltratadas e que maltratam o corpo, arremessado a cada novo solavanco, não posso deixar de registrar a riqueza da experiência vivida. Em um sentido mais amplo, as diferenças entre a cidade grande e o interior não são apenas geográficas, mas principalmente culturais. O sotaque mais arrastado e cantado, a quase inocência no olhar cabisbaixo, a recepção calorosa, a consolidação das crenças ou crendices populares, o contato com a seca e o sol escaldante, me fazem, muitas vezes, duvidar que sejamos ou que pertençamos, ou ainda, habitemos um mesmo país. Do sertão tudo parece distante, e a capital parece apenas uma referência distante, difícil de alcançar. Algo que muitos não conhecem, e que outros tantos nem desejam faze-lo. Uma cidade, onde se diz que se avista o mar, repleta de altos prédios, engarrafamentos quilométricos e violência urbana. Tudo em Recife parece ser grande demais. Uma metrópole, repleta de coisas que não chegam ou passam por aqui.

Durante este tempo tenho aprendido, sobretudo, que a melhor forma de se conhecer  verdadeiramente um povo é escutando suas histórias e contos. E é exatamente o que tenho feito, todas as semanas, durante as longas viagens, que aqui classifico como “histórias de viagens de um professor pelo sertão pernambucano”, e que passo a relatar como forma despropositada de registro de um pouco de nossa cultura.

Depois de um mês nas estradas, confesso que a paisagem torna-se monocromática e monótona. O sertão é quase melancólico. Com o tempo a vegetação rasteira, os pequenos arbustos, a terra vermelha, os magros gados e as algarobas provocam certo ar de mesmice enfadonha. Da janela do ônibus, costumo observar vilarejos, povoados, ruas e pequenas cidades que correm diante de meus olhos como um filme em preto e branco. Tudo parece bucólico demais para um ser genuinamente metropolitano como eu. Busco então por novidades, mas a visão esbarra em altos paredões rochosos, que em determinados momentos ou trechos da viagem parecem formar uma imensa cratera de vulcão. A única alternativa parece recorrer aos céus. Porém a rotina paisagística se repete de forma incômoda em um azul nítido e vivo que se estende para além dos horizontes. Não dá para contar carneirinhos ou imaginar monstros porque não existem nuvens. É tudo muito límpido. Uma espécie de manto celeste que encobre uma espessa camada de barro seco, que parece fervente, e em alguns pontos inabitável.

De inicio duvidei que suportasse tão extensa viagem. Como ninguém consegue ler por tanto tempo, precisei urgentemente encontrar algo interessante com que pudesse ocupar o tempo. Algo que pudesse me anestesiar e abreviar o sofrimento. Porém, depois de projetar ou arquitetar alternativas, todas rejeitadas quase de imediato, encontrei no sono a saída que tanto buscava. Hoje, tudo funciona como um passe de mágica. Durante o percurso, o ônibus realiza pelo menos três paradas obrigatórias e estratégicas, o que tem me garantido pelos menos três longos sonhos. Minha cabeça começou a funcionar como se fosse uma televisão. A cada parada mudo de canal e novas imagens surgem e me levam para longe. Assim, às vezes durmo dormindo, às vezes, durmo acordado. Entre um sono e outro, ainda encontro tempo para ouvir as histórias alheias. E são essas histórias, muitas vezes de vida, outras de morte, de dores, dissabores, amores e desamores, desassossegos e desalentos, que fazem das minhas viagens um verdadeiro laboratório, onde presunçosamente me pego a fazer analises estabelecer conjecturas ou construir interpretações sobre fatos e atos corriqueiros e aparentemente banais.

As viagens em si tem se transformado também em espaços de constantes aprendizagens. Aprendi principalmente a ouvir, sobretudo as histórias, pelas quais as pessoas contam gratuitamente suas vidas, suas relações, suas concepções de mundo, e às vezes suas experiências mais intimas. Assim, descobri, por exemplo, que nos dias muito quentes é preciso aguar a cabeça das galinhas “por cause de que” pode dar nordeste nas danadas e “por cause disso”, elas podem morrer. Também descobri, que por essas terras, que vacina boa para animal é a que serve para curar dezessete doenças. Não importam quais, desde que sejam dezessete. Nem mais, nem menos. Também não importa o animal. Se grande ou pequeno, o negócio é acertar a dosagem de acordo com o tamanho do bicho. E uma coisa é certa, se ele não morrer, fica curado rapidinho.

Dizem que de conto em conto, a galinha enche o papo. Pois, digo que conto em conto povoou minha mente e liberto minha imaginação e criatividade. O fantástico se confunde com o real e faz a viagem passar mais depressa que minha própria vontade. Quando a viagem finda, um novo dia recomeça em terras escaldantes e repletas de histórias loucas para ganhar o mundo. Creio que esse é meu papel. E é a isso que me disponho aqui. Registrar e replicar as histórias de nossa gente. Histórias de chegadas e partidas, de despedidas, de amores desfeitos, de sonhos. Histórias de gente, de estratégias de sobrevivência. Acima de tudo, histórias de luta e resistência. Histórias de um povo! Do nosso povo!

Bem vindo as minhas histórias de viagens!


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