segunda-feira, 7 de julho de 2014

A MELHOR COPA DO MUNDO.



BOLA PRA FRENTE BRASIL!

Dia 28 de junho de 2014, meio dia de um sábado e tudo em cima da hora. Depois de uma noite de insônia, assistir ao jogo do Brasil contra o Chile não parecia uma alternativa, mas obrigação. Na cabeça apenas a certeza de que aquele seria o melhor jogo da copa do mundo! Nas ruas uma procissão de camisas amarelas seguia em frente, como pronta para a guerra. Com certeza uma das cenas inesquecíveis, considerando o clima de harmonia e felicidade que parecia invadir a cidade. O ronco do estômago, que exigia providências urgentes, não era menor do que o som das centenas de estridentes trombetas e cornetas bicolores. O relógio gritava o atraso. Dez minutos me restaria para atravessar ilhas interligadas por pontes intermináveis, encontrar um bom local e assistir ao jogo. Recife estava lindamente diferente. Havia vida no ar, a alegria substituía os contratempos do cotidiano de um centro urbano conturbado e desorganizado.

De frente ao Paço Alfandega milhões de pessoas se espremiam e se agitavam. A cada susto ou ameaça, um novo uivado coletivo. A bola passava longe, batia na trave, e as mãos se apertavam em preces. A religiosidade se fazia presente em suas diferentes formas e expressões. Não importava a doutrina, apenas o objetivo. Alguns se ajoelhavam em orações, enquanto outros oferendavam bebidas aos santos. Era a certeza e convicção de que Deus é brasileiro, e pelo jeito torce pela seleção canarinha. Religião, bebidas e futebol, temas complexos e que despertam emoções afloradas, às vezes descabidas, mas permitidas. A harmonia reinava nas diferenças fossem étnicas, raciais, de classes ou de identidades de gênero. Estranhos e desconhecidos se abraçavam, choravam, reclamavam, xingavam a mãe do juiz. A prorrogação provocou lamentos receosos. Mãos nas cabeças, murros no ar, gritos de desespero e lágrimas exprimiam a aflição generalizada. Um apito final nos condenava a uma espécie de mata-mata perigoso.

Como havia previsto, e temido, terminaríamos nos pênaltis. Defendemos o primeiro e o segundo. Erramos o terceiro e o quarto, para somente finalizarmos no ultimo e derradeiro chute. Um grito animalesco, que parecia preso em milhões de gargantas, me atravessou como uma onda de calor capaz de provocar arrepios. Era a vitória mais sofrida que já vivi em toda minha vida de leigo torcedor. Era belo e assustador ao mesmo tempo. Não representava apenas uma vitória no futebol, mas a energia investida de um povo. Era a catarse de uma gente guerreira, que acredita no país e em suas possibilidades de sucesso. Era uma expressão de raça, digna dos lutadores que vencem os próprios limites. Havia admiração e respeito nos rostos dos gringos. Havia uma alegria histérica que se transformava em festa. Aquele momento, que para mim será inesquecível, é a melhor representação visual do brasileiro.

Dia 04 de julho, faltando apenas dois dias para meu aniversário, uma nova empreitada. Brasil e Colômbia, a seleção de melhor campanha no mundial. O receio de ser derrotado era evidente na nova procissão que seguia determinada rumo ao Recife Antigo. A festa voltava às ruas e a cidade novamente se coloria de verde e amarelo. Impossível ao morador da Boa Vista ficar indiferente às manifestações da cidade. As pontes estavam tomadas, apinhadas de gente. Parecia uma nova versão do Galo da Madrugada. A diferença é que o verde e amarelo não parecia apenas fantasia, mas uniforme, roupa de guerra. A seleção estava também nas ruas com seus milhões de atacantes. Eram todos técnicos, eram todos capitães, comentaristas especializados, estrategistas e paliteiros. Eram todos guerreiros.

Na Fan Fest não havia mais espaço, não havia chão. Apenas centenas, milhares de pés enfiados em sapatos coloridos ou descalços. A frente outra centena de cabeças de diferentes formatos, cabeludas ou carecas, penteadas, desajeitadas, fantásticas, inquietas. A luta pelo melhor ângulo parecia estratégia de sobrevivência. No meio daquela multidão não vi o primeiro gol. Entendi que não veria os demais. O Recife Antigo estava totalmente tomado pela multidão. Na impossibilidade de permanência, resolvi buscar por um aparelho de televisão qualquer, em um bar qualquer, em uma rua qualquer. Na Madre de Deus um grupo de torcedores vibrava em frente a uma pequena tela. Um balcão serviu de abrigo e apoio. Aos poucos outros tantos frustrados se juntaram, formando uma torcida digna de um jogo de decisão. E lá estava eu novamente em meio a desconhecidos, gritando e vibrando com cada lance, cada nova tentativa de furar o bloqueio. Lá estavam novamente os gritos desesperados, os socos no ar, os aplausos do Neymar e os suspiros pela bunda do Hulk. Era o Brasil irreverente que espantava e fascinava estrangeiros ao mesmo tempo.

O mais belo gol foi do David Luiz e a prorrogação de cinco minutos a mais interminável do mundo. A contagem se tornou regressiva até o levantar do braço por parte do juiz, e mais uma vez o grito de alivio invadia a cidade. Impossível não se contagiar. Impossível não se sentir participante, não se sentir coletivo. Impossível não se emocionar diante da imagem dos jogadores enfileirados em campo, do hino nacional em lapela e na boca do maior couro popular do mundo. Certo ou errado, todos cantam, expressam o amor à pátria e a sua identidade. Nunca assisti uma copa no Brasil e não vou negar que o slogan “Somos Todos um Só” mexe comigo. Desperta o sentido de brasilidade, de nacionalismo ou nacionalidade. Afinal de contas, toda demonstração de patriotismo é sempre bela, mesmo quando bem exercido apenas nos momentos festivos. Assim, porque não me deixar alienar um pouco e seguir em frente, engrossando um cordão humano pra lá de barulhento, pra lá de festivo, pra lá de guerreiro?


Amanhã é Brasil contra Alemanha, a maior barreira do mundial de 2014. Vou sair pras ruas, me misturar ao povo. Vou ser, mais uma vez, povo também. Vou vestir verde e amarelo, buzinar, beber e me divertir. Vou me revigorar para enfrentar a próxima disputa, a próxima batalha em prol das mudanças necessárias. Sem sombra de dúvidas a mais importante para o Brasil, e que se fará nas urnas.

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