quinta-feira, 6 de março de 2014

O MAIOR CARNAVAL DO MUNDO


 
FINALMENTE ACABOU!

Era quarta-feira e faltavam três dias para a abertura oficial do carnaval quando grupos fantasiados começaram a se aglomerar em frente à velha Igreja da Imperatriz. Mulheres com vestidos vermelhos e azuis e com bordados dourados desfilavam sem pressa. Graciosas senhorinhas pareciam bailar indiferente a grande desorganização da cidade, que nunca se prepara para o grande baile popular. O saudosismo invadiu o ar e, logicamente, me contagiou por completo. Aos poucos a folia transformava a Praça Maciel Pinheiro em um grande palco a céu aberto. Soaram os clarins e em pouco tempo centenas de foliões abriam o cortejo pela Rua da Imperatriz. Uma vontade louca de chorar me invadiu o peito. O Bloco da Saudade mais uma vez me condizia pelas ruas de minha cidade. Ruas por onde passei em seguidos carnavais entoando os mais belos e antigos frevos canções, através dos quais sempre afirmei “que o Recife tem o carnaval do meu Brasil”. Em macha lenta cruzamos a ponte velha rumo ao bairro do Recife Antigo, onde nos perdemos na multidão.

Quinta-feira, uma volta pelas ladeiras ensolaradas de Olinda me revigorou. Como todo bom pernambucano, esperei um ano para cair na brincadeira, e finalmente havia chegado a hora. Uma tapioca no Alto da Sé, uma água de coco na Praça do Carmo, um almoço rápido. Um banho, um chapéu de palha e novamente a disposição para brincar o maior carnaval do mundo. O Bloco do Miolo Mole estava na Rua da Moeda fazendo suas palhaçadas magistrais. Caboclinhos atravessavam avenidas e os maracatus percussivos estrondavam nos becos. A multiculturalidade dava o tom da festa. Havia samba, havia cores, havia festa. A noite parecia sorrir enquanto a lua majestosa e prateada parecia impressa nas águas mansas dos rios que nos divide em ilhas, mas nunca nos separa. As mesmas águas que nos isolam nos unificam. Assim é o Recife, belamente poética e contraditória ao mesmo tempo.

Sexta-feira é dia do Galo cantar na Boa Vista. Ninguém dorme mais. Da Ponte Duarte Coelho, apesar dos atrapalhos da prefeitura, é sempre inegável sua imponência. A decoração acanhada e mal finalizada passaria despercebida. Não é a primeira vez que a gestão pública erra. Isso virou tradição! E quem precisaria de iluminação artificial quando se tem luz própria? E se o Pálio não veio, o camarote do Gilberto Gil invadiu quase toda a Avenida Guararapes. Qualquer dia não se tem mais espaço para brincar. Que diga o camarote da Rede Globo, que agora não só se apossa totalmente da Praça da República, como também invade parte da Avenida Dantas Barreto. Até parece que o carnaval de rua do Recife virou coisa exclusiva de rico. Será? O importante mesmo é que apesar do brilho do carnaval, que parece fazer-se por si mesmo, independente dos gostos ou [d]eficiência dos gestores, a cidade estava mais escura do nunca. E olha que o apagão nem chegou por aqui. Talvez a ordem fosse economizar pra não faltar, o que justificaria aproveitar a pífia iluminação do natal, que mais parecia restos de algo que não funcionou. Neste sentido, alguém pode explicar o que significava aquelas redes de pisca-pisca na Ponte Mauricio de Nassau? Penso que se a ideia era homenagear os pescadores da cidade, faltaram os peixes. Mas se as ruas estavam extremamente escuras, o céu se iluminou com a queima de fogos na abertura do Marco Zero. Disso ninguém pode reclamar. Só precisavam avisar ao apresentador a hora certa da contagem regressiva. Para não dar a nítida ideia da desorganização que se revelou insistente durante todo o período festivo.

Sábado de Zé Pereira, finalmente o Galo estava de pé chamando seu séquito de seguidores. As ruas fervilhavam sob um sol escaldante que não deu trégua. Na Avenida Dantas Barreto, a tranquilidade de um camarote simples me possibilitou ver o desfile de um anglo diferente. Diria mesmo que é algo inexplicável. O povo ri como bobo. As diferenças parecem amenizadas e todos se abraçam e festejam independentes de raça/etnia, credo, identidades ou condições socioeconômicas. É a democracia da diversidade que nos transforma em um grande bloco de brincantes inconsequentes. Essa é a ideologia do carnaval. É o escape popular. Outro banho. Troca-se a fantasia, mas não o desespero. É chegada a hora de lutar por um taxi que nos leve a Olinda. É noite do Afoxé Oxum Pandá no Largo do Guadalupe, e lá vamos nós de ladeira abaixo, e também acima, em um sobe e desce incessante e elétrico. O povo se espreme, o cortejo força passagem e tudo vira festa. Não há desavença, não há tempo para mal humor. A tarde cai, a noite chega e a multidão se mantém indolente. Ninguém descansa. É preciso fôlego para aguentar mais três dias. O carnaval está apenas começando.

No Domingo, uma Mínie abraçada a Mulher Maravilha, brinca com o Zorro e a La Ursa. Um grupo de melindrosas passa correndo em minha frente. Colegiais dançam ciranda no alto da Misericórdia. Super-Heróis se espalham enquanto passistas saltitantes bailam no ar. É preciso firmeza para não derrapar nas pedras escorregadias de Olinda. O ruge-ruge da multidão provoca o roça-roça, muitas vezes involuntário. A erotização está no ar. É Baco na festa da carne novamente. Mais uma tarde se vai e a desorganização do transito se mostra recorrente. Os taxistas escolhem passageiros. Ninguém entende nada. Anda-se quilómetros em busca de condução. No Pátio do Terço, novo desfile do Oxum Pandá. É o encontro dos Afoxés em homenagem a religiosidade africana. O ritual é solene e o ritmo contagia. A energia provoca certa espécie de transe e corpo se embala na música que mais parece um lamento. Uma passada rápida em casa. O banho de água fria revigora. À noite, o Recife ferve em polos espalhados. As tribos se concentram. A essa altura, uma mesa com cadeira é tudo o que se pede. Um caldinho de feijão para animar. Outro em seguida. Depois uma acarajé. A barriga estufa, avisando que é melhor se mover. Os pés doem, as pernas latejam, o corpo reclama, mas a loucura continua. Só faltam dois dias. O carnaval tá indo embora. Por fim, a madrugada insolente nos expulsa.

Segunda-feira a gripe ameaça, mas Olinda não espera, começa cedo. E lá vem ladeira. Uma subida na Sé para apreciar a Tapioca recheada da Paula, onde se bete o cartão. Na Rua do Amparo o Aloma Bar é retiro. A mulher da Vara passa arrastando multidão. Chega o Minhocão correndo ruas estreitas. Os Bonecos Gigantes pedem passagem e se engarrafa com o D`Brack. A confusão chega ao ápice. O frevo vence o Axé insistente que perde espaço nas ladeiras. Uma volta até a Bodega nos conduz ao Peeiro de Olinda, bloco puxado por duas travas seminuas. O bloco do Présal atravessa o caminho melando o povo. Em uma varanda dos Quatro Quantos uma senhora assiste a tudo ao lado de dois cachorros. Em outras, casais de beijam. É a danação da folia que parece não querer acabar.

Na Terça-feira, finalmente a festança anuncia o gran final. O corpo resmunga exigindo descanso, doe e fraqueja. A gripe toma conta. Ainda tem o show de Rita Ribeiro no Pátrio de São Pedro. Respira-se fundo e segue-se a multidão. A desorganização da a cara novamente e a frustração se revela na antecipação da atração. O jeito é seguir para o Recife Antigo. Uma caipirinha para ajudar no resfriado. Dizem que limão é bom para gripe. A essa altura o povo parece ensandecido. A cidade continua escura, mas ninguém liga. Quem precisa de decoração, de iluminação, de organização? O carnaval sobrevive às mediocridades e descompromissos das gestões. Afinal de contas: o carnaval é a gente que faz! Olho ao redor e tudo se mostra lírico. O carnaval mais belo do mundo! Os olhos lacrimejam, mas é hora de recolher o bloco! A quarta-feira de cinzas chegou, e como diz o velho frevo, realmente “é de fazer chorar, quando o dia amanhece e obriga o frevo a parar...”. Mas, para mim chega à boa hora. Que bom que terminou! Que bom que carnaval é apenas uma vez no ano. Que venha 2015!

Um comentário:

  1. Recife tem encantos mil, já dizia o poeta Rei do Brega - Reginaldo Rossi. O melhor carnaval do Brasil, sem sombra de dúvidas, faz parte desses "encantos". O povo pernambucano tem no sangue o DNA da alegria, da glória! O brilho irradia através do largo sorriso e da felicidade esplandecente refletida nos olhos de um povo guerreiro. Salve o Carnaval de Pernambuco !

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