!NO LLORES POR MÍ ARGENTINA!
O céu está claro e do céu
visualizo as extensas planícies uruguaias. Um rio caudaloso as separa de Buenos
Aires, repleta de telhados que refletem a luz do sol. Os contrates se
evidenciam. De um lado, grande quantidade de casarões dotados de piscinas, que
do alto parecem formar um mosaico com pequenos e vistosos cubículos azuis; do
outro, as Villas Viejas, mas conhecidas como “las bichas”, equivalentes às
nossas tradicionais favelas. A beleza cede lugar à miséria. Tranquilamente
atingimos o solo e mais uma vez agradeço, e volto a respirar. Uma onda de calor
revela a temperatura da cidade. Não há como negar, Buenos Aires “es uns ciudad
muy caliente”. Porém, não mais que Recife! 36º registram os termômetros e penso
que estará tudo bem. As previsões de elevadas temperaturas não passariam de
alarmes desnecessários. Contudo, aos poucos, a garganta reclama a falta de
umidade, e começo sentir falta de nosso ventilado litoral.
Buenos Aires parece vazia em
comparação ao verão passado. As ruas estão quase desertas e o trânsito flui
fácil pelas largas e longas avenidas. Começo a me situar e uma agradável
sensação me faz sentir em casa novamente. A cidade tem seus encantos e também
seus contrastes. O apartamento é o mesmo, o bairro respira cultura e mistura. Uruguaios,
colombianos, venezuelanos, chilenos, paraguaios, e claro, muito brasileños. A
América parece concentrada. Italianos, Espanhóis, franceses, ingleses e
norte-americanos atraídos pelo verão. Gente, calor, ebulição. A cidade está
sempre viva dia e a noite. Enormes filas nas portas dos teatros e cinemas, livrarias,
bares, restaurantes, cafés e boates lotadas. O sol insiste em não deitar antes
das 22:00, o que faz o dia parecer eterno. É preciso fólego! A meteorologia
nunca acerta e por isso somos pego de surpresa a cada momento. Tudo parece
intenso. Chuva em forma de tormenta, com direito a sinal de alerta nos canais
de televisão. Raios, trovoadas e até granizo despenca do céu, para em seguida sentirmos
a pele queimar.
A economia é uma loucura, num
sobe e desce de preço que desorienta qualquer um. Um Capuchino está $ 11,00
pesos. Amanhã não se consegue toma-lo por menos de $ 15,00. O valor da água
mineral também varia como a temperatura. Nunca se sabe realmente o quanto será
necessário para garantir o mínimo conforto do dia. Em Buenos Aires somos
obrigados a viver “o aqui e agora”. Nada de muitas projeções ou elucubrações
financeiras, a menos que seja especialista. As aulas começam, o estresse
aumenta, o cansaço bate, e torcemos que a semana logo termine. Os dias passam,
fugimos do sol, procuramos marquises e não encontramos. A cidade é europeia demais
para permitir coisa tão tipicamente brasileira. Viver Buenos Aires é viver experiências
sucessivas. É vivenciar o inusitado, onde nada é em verdade o que aparenta ser
aos olhares precipitados. As diferenças culturais se sobressaem na impaciência e
inflexibilidade quase inglesa. A confusão se estabelece em conversas e frases
repletas de “chês”. Informo que “estoy en Jean Jaurés” e me corrigem dizendo
ser “chã churês”. Pregunto por una calle, e me informam onde está “la cachê”. E
que ninguém enfrente um porteño estressado, porque a língua se transforma em
uma metralha e a solução é fazer cara de paisagem. O melhor é que ele lhe “esculhambar”
você não vai entender. Então porque se “aperrear”?
Para porteño chato, nada melhor
do que o clássico “no comprendo!”. Se quiser se educado, porém econômico, se
utilize do diretivo “lo no sé” e finalize a conversa. Em terra de cego, quem
tem um olho é rei. O que se significa que em terra de malando, brasileiro se
sente em casa e confortável. Diferenças e semelhanças se confundem e podem ser
acionadas de acordo com a conveniência de ambos os lados. Assim a estranheza se
acomoda. O tempo passa e a saudade chega. Hora de arrumar as malas, de embaçar
a vista. Da janela olho o céu ainda avermelhado. São 21:00 e o dia logo
termina, como finda minha estadia. Admiro o limoeiro que balança ao sabor do
vento e os gatos indiferentes ao meu estranho sentimento de nostalgia
antecipada. !No llores por mí
Argentina! ¡No te olvidaré, púes qué te extraño! Y además, ¡lo buen hijo
siempre regressa!