sábado, 9 de novembro de 2013


VOCÊ ACHA QUE DONO DO PRÓPRIO IMBIGO?

Essa semana ouvir uma mãe dizer para o filho que somente quando crescesse ele seria dono do próprio umbigo. Há tempos não ouvia essa expressão, tão comum em minha infância e adolescência. Ser dono do próprio umbigo significava ter maior idade, ter autonomia e responsabilidades sobre os próprios atos. Ou seja, antigamente, para ser “dono do próprio umbigo” era preciso trabalhar e se sustentar. Lembrei então de outro costume antigo: o dos pais enterrarem ou guardarem o umbigo dos filhos, que na época se chamava “imbigo”. Assim, por crendice, os genitores enterravam os restos do cordão umbilical dos filhos em uma árvore ou o jogavam no mar ou rio. Nunca soube o que realmente aconteceu com meu imbigo, mas lembro que o da minha irmã caçula foi enterrado no tronco de um pé de jenipapo, que ficava no oitão de nossa casa. Oitão, para quem não sabe, é a área do terreno que ficava por trás das antigas residências. Fato é que quase ninguém tem mais oitões e muito menos jenipapos em casa. Mas na minha tinha. Um frondoso pé de jenipapo com um imbigo enterrado no tronco.

As árvores frutíferas do meu oitão eram sempre mais viçosas que as demais. Isso me leva a crer que o fato estava diretamente relacionado à suas proximidades com a fossa. Para quem não sabe, fossa era um buraco que se fazia nos oitões das casas, para onde eram direcionadas as fezes e urinas que vinham dos banheiros, e também os detritos vindos das pias das cozinhas. Logicamente esses detritos se transformavam em excelentes adubos, nutrindo as árvores que produziam os deliciosos frutos, que consequentemente, completavam nossa alimentação. Sem dúvida alguma, este é exemplo perfeito do “na natureza, nada se perde, tudo se transforma”, que tão bem aprendemos nas escolas. Refletindo um pouco mais sobre os ciclos naturais, penso que o mesmo ocorre com as árvores dos cemitérios. Talvez seja por isso diziam que os jambos de cemitérios eram sempre os mais gostosos. Na minha infância esse fruto era chamado de “jambre” e eram enormes e de um vermelho escuro vivo e bonito. Hoje, um saquinho com cinco jambres custa R$ 5,00 nas ruas do Recife. Na minha infância eram tão sem valores que saia de graça? Afinal de contas, quem nunca comeu fruta de cemitério?

Se refletirmos melhor sobre o assunto, não podemos concluir que aí se dá a verdadeira explicação para nossa pretensão de infinidade? Não poderíamos dizer que a vida após a morte, com a qual tanto sonhamos se estabelece por um ciclo natural? Ou seja, aos sermos enterrados nos transformamos em adubos, alimentamos as árvores e voltamos em formas de frutas. Assim, confirmamos mais um ditado popular que sabiamente prega que “quem come, um dia será comido”. Seria essa uma explicação razoável para a lei do carma? Independente dessas elucubrações infundadas, uma vez fruta, voltaríamos aos estômagos e fossas, e assim seguiríamos sucessivamente num processo infinito de morte e ressurreição. Apesar de inquietante, essa não deixa de ser uma forma para se [re]pensar a vida eterna. Afinal de contas, se viemos do pó, ao pó voltaremos. Certo?

Mas, voltando aos antigos costumes, era comum também se guardar o primeiro dente de leite das crianças. Algumas pessoas inclusive os transformavam em pingentes, que passavam a adornar as orelhas e pescoços das mulheres vaidosas. Eram os famosos transcilins de ouro, que na ocasião eram mais conhecidos como “transcilinhos”. Na época, era o último grito da moda. Tais bijuterias eram formadas por finas correntes compostas de pequenas argolas entrelaçadas. O pingente de ouro prendia o dente de leite do rebento ou sobrinho e era exibido com orgulho. Toda tia, fosse solteirona ou casadoura tinha um “trancilinho de micheline” [denominação do ouro barato ou falsificado]. Isso evidenciava que a moça era de família e que tinha bom gosto. A minha irmã mais velha tinha um desses com o dente da irmã caçula. Nunca soube se alguém de minha família, um dia, se exibiu por aí com meus dentes pendurados no pescoço.

As fotos antigas me revelam que esse era um costume comum. Como não se tinha a tecnologia atual, as fotos eram colocadas em uma espécie de binóculo de plástico colorido. Uma espécie de mini-luneta, por onde se apreciava as melhores poses ou se matava as saudades. Lembro que minha mãe guardava os binóculos de fotos em uma lata redonda e colorida. Algumas vezes reunia os membros da família e só assim podíamos ver fotos em cores, muitas vezes de gente que nem conhecíamos direito. Todas as demais fotos eram em preto e branco e compunham os álbuns de família. Ninguém tinha câmera fotográfica, por isso era preciso contratar o “retratista”. Ele agendava uma data e ia até sua casa. Nesse dia era festa. Toda “família que se preza” tinha na parede da sala um retrato com as fotos dos filhos. Como éramos dez ao todo, tínhamos dois desses, cada um com cinco fotos. Eram retratos isolados, do tipo peitoral, dos peitos para cima. Tinha que colocar roupa nova e ficar esperando o retratista por horas e horas. Depois se esperava um tempo enorme até o homem voltar com a encomenda. O irmão mais velho sempre figurava no meio e os demais ao redor. Os cinco pequenos retratos em preto e branco formavam então um painel sobre fundo branco, com moldura de madeira escura e vidro de proteção. Lembro que no dia de tirar esse retrato, estávamos brincando de brigar e meu irmão depois de mim atingiu meu rosto com um pedaço de cano. Devido ao acidente, tive que tirar o retrato de perfil, e logicamente fui o único que não saiu rindo, como era de costume.

Tempos depois inventaram uma técnica supermoderna que possibilitava colorir as fotos. Minha irmã mais velha até contratou um desses profissionais para fazer um retrato colorido. Era coisa de ultima geração e provocava encanto. Nesse dia ela se arrumou toda e homem bateu a foto. Dias depois voltou para entregar. Era bem diferente da realidade. Lembro que ele tinha acrescentado umas flores amarelas na blusa dela e também colocou um “trancilinho” com duas medalhas que não eram originais. Logicamente o resultado não agradou e o retrato nunca foi exposto. Já no meu caso tive que me contentar com a foto de lado mesmo. O que me fez lembrar que naquelas épocas quando uma criança caia ou batia com a cabeça, era costume amornar uma faca peixeira para se colocar sobre o ferimento e evitar que fizesse “calombo”, nome usado para os edemas. Conversando sobre isso, um grande amigo me relatou que nessas situações chorava mais com medo da peixeira do que da dor que sentia. Ele ficava assustado com espanto e alvoroço dos adultos e achava que ia levar uma facada devida peripécia. Isso me trouxe a lembrança os remédios caseiros. Quando tínhamos algum ferimento, que chamávamos de “bereba” era comum se colocar uma folha de pimenta untada no óleo de cozinha em uma colher de sopa para esquentar no fogo. Depois se colocava a folha amornada sobre a ferida para puxar o olho. Isso facilitava o processo de espremedura da pereba até retirar o “carnegão”, que vinha carregado de pus e sangue. Hoje as pessoas preferem, sabiamente, recorrer aos antibióticos para se livrar os furúnculos.

Bom, acho que vou ficar por aqui. Vou ligar para uma irmã e perguntar sobre o paradeiro do meu imbigo. E você, acha que é dono do próprio umbigo? Melhor consultar os parentes!

Um comentário:

  1. Quanto ao seu "imbigo" creio que mamãe jogou no rio capibaribe, que passava lá perto de casa. O meu foi jogado nas águas do mar de Olinda. rss Já os seus dentinhos penso que não serviu para fazer os pingentes, eles eram fraquinhos e manchados por conta dos antibióticos que você tomava pra sarar as crecas/perebas adquiridas por conta do sarampo. Mas voltando aos nossos imbigos, será que o peixinho comeu????

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