Ouviram do Ipiranga
as margens plácidas, de um povo heroico, o brado retumbante! E o sol da
liberdade em raios fugidos brilhou no céu da pátria neste instante!
E o sol da
liberdade raiou sobre o Recife nesta quinta-feira, dia 19 de junho. Não foi do já
distante Ipiranga, mas foi das margens de um canal sujo e mal tratado, que
corta a capital pernambucana em ilhas, que se ouviu novamente o mais puro e o
mais sonoro “brado retumbante” dos pernambucanos. Duas horas da tarde, o sol a
pino, e em pouco tampo a Praça do Derbi se tornou insuficiente para tanta gente.
Pessoas se espalhavam pela Av. Agamenon Magalhães, vindas de longe, para se
estreitar na Avenida Conde da Boa Vista. Uma massa de gente de cores e raças
variadas. Não havia diferenças, não havia partidos políticos, não havia fúrias,
apenas a indignação saltava aos olhos. E eram olhos belos e vivos, cheios de
esperança e força. Olhos abertos, quase beirando o espanto. Olhos risonhos que
se encontravam repletos de cumplicidade! Mas também eram olhos de vergonha, de
insatisfação, de reivindicação, e principalmente de deboche, contra os
políticos corruptos e oportunistas.
Eram olhos
emocionados diante do poder descoberto. “O gigante Acordou!” gritavam cartazes
e faixas que flamulavam no ar. Educação, saúde, assistência, transporte,
segurança pública e justiça se tornaram palavras de ordem. Respeito, transparência
e ética nas gestões públicas se tornaram exigências. “Saímos do Facebook!”
avisavam os jovens. O povo estava mais uma vez unido nas ruas para mostrar a
insatisfação com os políticos e seus partidos fajutos que não mais nos
representam. Redescobrimos o valor da cidadania, ó Pátria Amada, em centenas de
rostos iluminados pelo sol que reluziu a liberdade na avenida. E assim, o leão
do norte rugiu exigindo passagem rumo ao Marco Zero. Não havia pressa, não
havia choro, não havia medo. Comemorava-se a democracia! O orgulho de ser
brasileiro consciente que nos enche o peito! E as vozes eram tantas que não sobrou
espaço às demagogias politiqueiras. Havia clareza de ideias e não restou brecha
a prática comum do suborno governamental. Havia autonomia cidadã, e por isso,
incinerou-se o cabresto ditatorial e autoritário dos governantes.
Cinco garotos
maltrapilhos, com suas habituais garrafas cheias de mortes, empunhavam “O
Protesto dos Cheira-Colas!” Um casal de idosos, de mãos dadas, levantava a
bandeira do “Já Basta!”. E não era preciso mais que isso, pois no dito popular,
“ao bom entendedor, meia palavra basta”. Não havia incertezas ou inseguranças
na exigência por melhorias. A grande dúvida pairava apenas sobre a capacidade
intelectual e mental dos próprios governantes, que acuados monitoraram todo o
percurso através de seus mirabolantes e utópicos equipamentos tecnológicos. Uma
espécie “aranha metálica” sobrevoou cabeças erguidas. Câmeras bisbilhoteiras
instaladas em frágeis postes transmitiram as urgências de quem exige respeito. “Besouros
de latas” fizeram piruetas no ar em busca das melhores imagens. E assim, os olhos
eletrônicos do governo tecnológico e fascista permaneceram atentos e inseguros,
distante como sempre e protegido por insólitos concretos, temendo o confronto.
As pequenas
faixas brancas de paz nas mangas dos soldados tornaram-se irrisórias e
patéticas. Contraditórias as tradicionais posturas repressoras que representam uma
conduta democrática de faixada habitual. A pacificação aparente da polícia se diluía
nos spray de pimenta enfiado nos bolsos, bem como nos rostos carrancudos de
alguns milicos acostumados a repressão. O bloco dos paus mandados de cabeças-laranja
pareceu abismado e incrédulo diante da aglomeração e do maciço grupo que
gritava a uma só voz contra os mandatários, que se imaginavam detentores do poder.
E assim, calados permaneceram diante da maioria colorida, que em marcha vestia
a bandeira nacional.
Sugestões para
que o Governador Eduardo Campos pudesse fazer bom uso dos dez centavos concedidos
não faltaram. Talvez a mais apropriada fosse a que sugeria sua aplicação no
SUS. O deboche e a criatividade se tornaram poderosas armas para as críticas. Uma
faixa deixava claro que “dez centavos não paga um Dudu!”. E posso garantir que
a referência não era o tradicional picolé em saquinhos vendidos nas cidades
pernambucanas. Até porque outro alertava que “dez centavos não compra meu voto!”.
Até o prefeito que promete fazer tudo foi devidamente lembrado em sua inércia por
uma jovem que alardeava em um cartaz: “essa caminhada não foi o Geraldo que fez.
Fomos nós!”. Os protestos antes vinculados aos aumentos nas passagens dos ônibus
se multiplicaram. Os gritos e anseios agora são outros e se dirigem contra a
aprovação da PEC 37; do Ato Médico; do projeto denominado popularmente como Cura
Gay; a favor da legalização da maconha; da urgência na transparência e eficácia
no uso das verbas públicas. Na prática, exigem-se melhorias nos serviços
públicos, com eficiência que justifique nossos altos impostos. Exige-se a redução
dos gastos públicos, possibilitando melhorias na qualidade de vida do povo!
E os
resultados já se mostram positivos. Governadores e prefeitos de norte a sul se
apressaram em reduzir o preço das passagens e, ainda que de forma dissimulada, passou
a reconhecer o estado democrático verdadeiramente como característica de nossa
república. Em um ato consciente de cidadania o povo demonstrou que facilmente
troca o futebol pelo exercício da democracia. E este é só aviso prévio às
eleições de 2014. E olha que ainda temos a vinda do Papa Francisco I, a Copa do
Mundo, as Olimpíadas e as Paraolimpíadas em 2016. Parafraseando o poeta, é bom
lembrar que a “praça é do povo, assim como céu é do condor”. Afinal de contas,
as asas da liberdade sempre levam mais longe.