Aproveita a promoção! “Tudo pela
metade do preço!” “Aqui não tem tempo ruim não”. “Tomate é dois reais e
cinquenta!” “Chupa que é de uva, mas também tem maçã, pera e graviola!” “Sanduiche?
Só na próxima barraca, neném!”. “Cachorro-Quente completo mais refrigerante por
apenas quatro reais”. Salada de fruta, água mineral, relógios importados, CDs e
DVDs com os últimos lançamentos, blusas, calças, tênis e brinquedos. Os
anúncios e ofertas vêm de todos os lados. Preços de mercadorias variadas são
gritados na goela ou em megafones. Pessoas se amontoam entre carroças, bicicletas
e automóveis. Não raramente se tropeça, esbarroa ou se cai em meio a tanta
bagunça. Estamos no centro da cidade, em plena Avenida Conde da Boa Vista, onde
as ruas principais se transformaram em verdadeiras feiras livres, em “terra de
ninguém”.
Não nego que sempre detestei o
clima de desordem que cercam os mercados locais. Quando criança sofria ao ter
que acompanhar meus pais as feiras de finais de semana. Não gostava da
gritaria, me incomodava com a falta de conforto, me irritava as longas
caminhadas em busca de menores preços. Retornar para casa carregando sacolas
pesadas como burro de cargas e ainda enfrentar ônibus lotados, para mim era o
fim da picada. Achava tudo feio demais, desorganizado demais, triste demais. Aquilo
sem dúvidas não era diversão para uma criança chata como eu, que cresceu
acreditando na beleza da organização urbana e ansiando pelo fundamental
respeito à privacidade.
Contudo, quem mora em Recife sabe
que nem um e nem outro são características locais. A privacidade é um sonho de
consumo inatingível e a organização urbana um dos maiores desafios da
administração pública. Vivemos em uma cidade caracterizada pelo comercio livre,
que remonta a época dos mascates e, que pode até parecer bonito aos olhos de
turistas. Mas na verdade o que se revela é a consolidação de um comercio ilegal,
onde a pirataria favorece a clandestinidade. É lógico que muitos dos
comerciantes locais são cidadãos de bem, que batalham nas ruas para sustentar
suas famílias. Disso ninguém duvida. Mas é fato também, que por traz de muitos
dos vendedores ambulantes e camelôs espalhados pelos corredores e vias que
cortam o centro urbano, existem verdadeiros empresários que alimentam e
favorecem o contrabando.
Não é raro se presenciar brigas e
conflitos devido à demarcação de locais e espaços para as barracas ou carroças.
Pela conversa de alguns comerciantes constata-se inclusive uma espécie de
aluguel de espaços, que na verdade são calçadas e ruas que deveriam, como em
qualquer cidade civilizada, pertencer aos transeuntes. Assim, parece se instituir
uma espécie de pedágio, pelo qual os vendedores devem pagar pela segurança e
pelo não incômodo das autoridades. Hoje, praticamente toda a Avenida Conde da
Boa Vista foi transformada em um grande corredor comercial. Andar por tal
perímetro tem se revelado como um grande desafio cotidiano. Muitas vezes os
pedestres precisam invadir as pistas, concorrendo com os veículos e se expondo
a sérios riscos de atropelamento, porque as calçadas se tornaram impraticáveis.
Entrar em algumas lojas, no Shopping Boa Vista ou mesmo nas agências bancárias,
por exemplo, tem exigido verdadeiros exercícios de paciência e perseverança.
Os abrigos destinados aos
passageiros dos ônibus, hoje congregam uma grande quantidade de camelôs, que
com caixas de isopor, sacolas ou mesinhas de madeira, comercializam comidas e
bebidas durante todo o dia. Alguns desses abrigos chegam mesmo a se transformar
em verdadeiros bares noturnos, com direito a sonorização, televisão, mesas e
cadeiras, por onde os atendentes circulam em atendimento ao público. A grande
questão é, onde se encontram os guardas municipais? Será que ainda existem? Por
onde circulam esses seres mitológicos, pagos com nossos impostos, que não
conseguem organizar minimamente o comercio local?
Assim como a 25 de Março, em São
Paulo, a Avenida Conde da Boa Vista se transformou em espaço aberto ao comercio
ilegal, clandestinidade e libertinagem, com todas as suas consequências. Certo dia,
ouvi uma conversa entre dois comerciantes que me deixou intrigado. Falavam sobre
um dono de loja, chinês, que possuía três barracas nas ruas das proximidades. Segundo
eles, o empreendedor oriental lucrava mais com a clandestinidade do que com o
estabelecimento legal, que logicamente paga autos impostos. Será que isso não é
prova do escoamento de contrabando? Quanto recebe uma pessoa para trabalhar o
dia inteiro em uma de suas barracas? Quais direitos trabalhistas estão sendo
respeitados? Será que esse tipo de exploração se configura como crime? Por onde
anda a fiscalização e vigilância sanitária? Para onde está indo o dinheiro de meus
impostos? Para a pavimentação e ordenação dos bairros nobres? Onde está à
gestão pública, que prometeu a organização e reestruturação da cidade? Para
quem disse já ter feito tanto, parece que falta disposição ou empenho para conhecer
a realidade das ruas do centro.
Resumindo, as dúvidas em relação
ao futuro do Bairro da Boa Vista são tantas, como tantas são as quinquilharias comercializadas
em sua principal e mais importante Avenida. Só espero não ter que esperar mais
quatro anos, até que o próximo “Mascateiro” [ou Marqueteiro] anuncie novas
promoções “Made in China”.