quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

A DROGA DO RECIFE GANHA ESPAÇO NA MÍDIA.


Há muito tenho chamado a atenção para a proliferação das Cracolandias no centro do Recife. Finalmente o assunto entrou na pauta da “Vênus Platinada”, revelando os efeitos e as dimensões do crack junto à população desassistida, bem como as inevitáveis consequências para a sociedade em geral. Assim como na frente do Museu de Arte de São Paulo – MASP, São Paulo; ou na Avenida Brasil, no Rio de Janeiro; em Recife o tráfico e consumo do crack, aliado a outras drogas, tem se consolidado nas principais ruas e avenidas do centro. Com o tempo novos territórios vão sendo demarcados, invadindo praças, calçadas, becos e vias de acesso, bem abaixo de nossos olhos. A permissividade autoriza o consumo descontrolado de uma droga que tem empurrado homens, mulheres, adolescentes e crianças para o universo da contravenção. A prostituição, bem como as situações de exploração sexual a que são submetidas crianças e adolescentes tornam-se meios para aquisição da droga e custeio da dependência como revelado também pela série de reportagens, produzida pela Rede Globo Nordeste, exibida durante essa semana no NETV 1ª Edição.
A iniciativa da emissora apesar de tardia é louvável. As cenas chocam pela crueldade decorrente da falta de políticas públicas eficazes e do descaso dos governos no que se referem ao enfrentamento e combate. São homens, mulheres, travestis, adolescentes e crianças consumindo drogas diariamente com o autorizo de uma sociedade também inebriada. As reportagens trazem a invasão das praças públicas, não menos abandonadas, por traficantes e usuários. É uma lástima chegarmos a tal situação. Mas, mais lastimável ainda é o despreparo dos órgãos competentes diante do fenômeno. Em entrevista, na semana passada, o sociólogo Hugo Acero Velásquez (Isto É 2247, 2012), responsável por transformar a cidade a cidade de Bogotá em exemplo mundial de segurança pública, afirmou que “o crime está organizado, as autoridades não”. Para ele, a problemática dos grandes centros urbanos como Rio e São Paulo situa-se no narcotráfico local, também chamado de microtráfico ou varejo do tráfico. “As peculiaridades estão na profusão de negócio ilegais paralelos a essa atividade, como a venda ilegal de armas, o contrabando, as mortes encomendadas, a extorsão, o sequestro e o tráfico de pessoas”.
A lógica é que a contravenção chegue sempre onde o Estado se omita. Isto é fato, e contra fatos não existem argumentos! É assim com a violência urbana; é assim com a pirataria; é assim com a exploração sexual de crianças e adolescentes; é assim com a corrupção. Problemas sociais de alta ordem banalizados pela população inerte, alienada inclusive de seus direitos enquanto cidadãos. Assim se dará também com a territorialização do tráfico nas praças públicas, ruas, becos ou favelas de Recife. Para o sociólogo, não reconhecer a crise da violência atual apenas torna mais difícil sua solução. Verdadeiros governos paralelos vão se formando, ganham forças e se consolidam no cotidiano de segmentos populacionais que se configuram como passageiros de segunda classe. Sujeitos invisibilizados, principalmente pelos interesses políticos. Não diferente da realidade recifense, este se torna o retrato das cidades sem Governos, resultado direto de uma sociedade que se mostra omissa em sua alienação política.  
O tráfico, nos seus mais variados segmentos – seja de drogas, de armas, de seres humanos ou de influência, tem constantemente desafiado o Estado de Direito, evidenciando a urgência de mudanças. O grande problema consiste no fato de que o mundo da contravenção é articulado, enquanto que o Governo não. O negócio da contravenção é rápido e estratégico, enquanto que o Governo, seja na esfera federal, estadual ou municipal, têm se mostrado burocrático e lento. Penso, porém, que se existe uma semelhança entre ambos, esta se dá na luta pelo poder. Ao mesmo passo que um busca a ampliação das áreas de domínio sobre a população pelo estabelecimento de novos mercados; o outro, busca pelo fortalecimento de espaços políticos, muitas vezes, negociando cargos públicos, que satisfazem apenas aos interesses e aos egos inflados de pequenos grupos ou sujeitos. Logo, o tráfico de influencia política consolida as condições necessárias e propícias ao fortalecimento dos demais segmentos contraventores. O Estado assume então o lugar de principal violador de direitos, inclusive constitucionais.
Quem mora em Recife sabe que as imagens das reportagens, por mais cruéis e brutais que sejam não revelam em sua totalidade o flagelo vivenciado em nossas ruas e praças. São homens desfigurados de qualquer semelhança humana, mulheres grávidas de misérias, adolescentes feridos em seus orgulhos, crianças deformadas pelas condições indignas de desenvolvimento saudável. Se existe um inferno, pode-se dizer que com certeza se encontra instalado no centro da cidade. A contravenção e as violências correlatas, com todas as suas consequências e impactos sobre a sociedade, se consolidaram nas principais vias e ruas do Recife. Não se combate a violência apenas com repressão. A segurança vai muito além das polícias, juízes e presídios. Neste sentido, Velasquez (2012) ressalta que nos espaços controlados pelo crime e pela violência existem mais do que criminosos, quadrilhas, venda de drogas e delitos. Nessas regiões existem também crianças e adolescentes fora da escola e em risco de serem recrutados pelo crime organizado; existem parques abandonados; ruas mal iluminadas, sem lixeiras; e há principalmente falta de serviços públicos. Em Recife isto também é fato. E contra fatos não existem argumentos!
Logo, instalar mais uma câmera de monitoramento na Praça Abreu e Lima, anunciada ao vivo, no NETV esta semana, como medida de enfrentamento ao tráfico não resolve o problema em sua totalidade. Muito menos, disponibilizar um veículo para transportar os usuários até um determinado espaço para se alimentarem não ameniza as consequências do abandono e descaso público. Falta qualificação profissional, falta entendimento, falta compromisso e seriedade. Enquanto as estratégias se pautarem em ações paliativas e emergenciais apenas fortaleceremos a contravenção. Política pública é instrumento de garantia de direitos e não material de propaganda política. Como cidadão de direitos quero ver as ações acontecerem de forma continuada longe das câmeras de TV. Quero ver e presenciar a efetividade de ações fundamentadas e respaldadas pelo conhecimento científico, respaldadas pelas práticas exitosas. É urgente a aplicação dos recursos financeiros, frutos dos nossos impostos, em ações de atendimento, acompanhamento e assistência às famílias e sujeitos vulnerabilizados, não em operação “enxuga gelo”. É preciso entender que a exclusão social é o nascedouro da violência. E neste sentido, não existe violência maior do que profissionais despreparados e desqualificados assumindo gestões públicas, que diante das câmeras disfarçam desconcertos e incômodos por não terem respostas concretas à população.
É um absurdo que o meu voto continue sendo deturpado em essência e fundamento, transformado em ferramenta e/ou instrumento de inconsequentes politiqueiros, porque é através dele que digo e luto por uma sociedade mais digna e igualitária. Confesso ser exaustivamente cansativo e desestimulante ver o dinheiro dos meus impostos ser aplicado em falcatruas, alimentando o mercado das propinas, aliciando ideologias e maculando a identidade nacional. Já basta de mensalões, mensalinhos, operações porto seguro e tantas outras de igual teor! A corrupção é a grande mazela da nossa sociedade. A transformação só se dará pela educação, pois fomos, e ainda somos culturalmente forjados para fazer desta uma prática social. Corrompemos e nos deixamos corromper por interesses particulares, alheios e/ou indiferentes às necessidades e direitos que são da ordem do coletivo. Roubamos a dignidade alheia por pequenos abonos, contribuições ou presentes “ofertados” com dinheiro público, e ainda nos sentimos felizes e espertos. Ludibriar o próximo tornou-se nossa meta. E nesse círculo vicioso abrimos mãos de nossos direitos e negociamos nossos valores morais, éticos e sociais. Aprendemos e ensinamos o favorecimento como moeda de troca, incentivando a lei da vantagem, que se traduz em safadeza e malandragem, em seus sentidos mais pejorativos.
Aproveitem a proximidade do natal e reflitam sobre os próprios conceitos e valores morais e éticos. Pregar a transformação do mundo sem rever conceitos pessoais e assumir as responsabilidades que lhes cabem é falácia, utopia e politicagem.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

ENTÃO É NATAL!!!



O dia começa cedo. O sol arde à pele. O ar abafado fica mais quente com as ruas repletas de camelôs. Chegou o período natalino. A cidade não muda e a calamidade é a mesma. O lixo invade as ruas, as canaletas transbordam, os esgotos correm a céu aberto. Apesar da precariedade urbana, nada impede o consumo insano! Lojas repletas, Shoppings Center congestionados, calçadas tomadas por ambulantes. Afinal, é preciso comprar o natal, ainda que as dívidas se multipliquem em parcelas intermináveis pelo resto do ano.  

Pessoas amontoadas continuam dormindo em meio a papelões e pés estressados. Muitos se tornaram notívagos devido ao uso de drogas. Para eles o natal não chega! Animais perdidos se juntam a moribundos, urinando e defecando nas vias. O mijo se junta a lama e a sujeira que a prefeitura há muito não recolhe. O odor torna-se insuportável, quase tóxico. Mas, nada interrompe o frenesi consumista do natal! É preciso pressa porque já não existe comemoração sem presentes. E presente tem que ter valor comercial agregado. Por isso, pessoas se esbarram, se ferem e se xingam. O transito reclama aos apressados enquanto bicicletas sonorizadas atropelam crianças e idosos. Mulheres perdem sandálias na pista, quebram saltos nas calçadas esburacadas, quebram pés em gelos baianos, mas torcem o nariz aos aperreios. Na modernidade aprendemos que no natal se reverencia o sofrimento!

Patrulhas cortam avenidas em alta velocidade, motos oficiais disparam sirenes, guardas apáticos apitam. Sempre há a quem perseguir, principalmente quando a multidão é evocada a invadir as ruas. Compra-se de tudo: árvores de plásticos, cordas de luminárias emborrachadas, bolas natalinas que não se quebram, papai-noel puxando henas que mais parecem jumentos famintos, guirlandas cafonamente repicadas. É que nos dias de hoje, o natal se tornou tão artificial quanto os sentimentos correlatos. Algo que se compra, mas não necessariamente se vivencia. Mas isso não importa, porque no mundo mercantilizado os valores se invertem, o “ter” torna-se superior ao “ser”. 

As horas passam. Vendedores anunciam promoções nas portas de lojas. O inferno toma conta da cidade. E nada alivia o estorvo do natal! Ruas exalam fedores. O suor encharca roupas e corpos. Senhoras se abanam cansadas. Meninos choram o incômodo. Mas nada para vence a histeria comercial do natal! Mãos puxam e rasgam tecidos. Em movimentos ensandecidos atingem rostos. Bocas gritam impropérios. Palavrões agridem tímpanos. Mas nada, nada consegue amenizar a sandice popular. É prá isso que existe o 13º salário. Para comprar as alegrias!

Uma mulher branquela e feia bate na cara do vendedor. O segurança entra na confusão. O gerente é chamado. A agressora é empurrada na rua. Outra mulher morena lhe diz desaforos. Viu a bolsa primeiro e quer a mercadoria. Elas se atracam. Os cheira-cola riem e dançam agitados. Policiais os afastam. As mulheres correm unidas e voltam a se agarrar na esquina. Mas nada, nada mesmo parece incomodar o vai e vem do natal! De repente, um corpo cai do edifício Sumaré. Não é primeiro corpo que despenca dos ares no centro do Recife. Gritos de horror ecoam na avenida. A multidão, como urubus, se alvoroça ao redor dos frangalhos, sobre o que restou de um homem que só queria comprar o natal. Algumas pessoas desmaiam e atrapalham o socorro que não chega. Uma mulher chora como se conhecesse o morto. Minutos depois entra em uma loja para escolher sapatos coloridos. Eis uma prova de que o natal também reconforta!

Um grito desesperado atravessa as ruas. Pessoas correm desnorteadas sem rumo. Ninguém sabe ao certo do que se trata, mas todos correm da catástrofe anunciada. Uma garota nervosa engole uma garrafa de água enquanto consome as próprias lagrimas. As pessoas assuntam o motivo, se mostram preocupadas. Outra prova de que o natal sensibiliza os corações! Param-lhe um ônibus. As sacolas impedem sua subida. Alguém se oferece para segurá-las. Ela teme ser roubada, e por isso, se espreme na multidão amassando os presentes.

Do interior do inferno metálico ouvem-se gritos. Sobre a lataria superior meninos entorpecidos de cola praticam surf. O natal para eles também nunca chega. A população se alvoroça. O motorista sai em disparada. Os meninos cambaleiam, mas não caem. A polícia dá o comando. O ônibus freia abruptamente. O povo grita enquanto meninos escalam janelas, atingem o asfalto e somem em becos. O susto passa. A polícia volta. O ônibus segue seu destino. Enquanto isso, na calcada um homem lava as frutas aquecidas pelo sol. Uma criança abocanha uma maçã. A mãe se acalma e o puxa pelos braços. Não se arrasta assim nem um animal. O menino tropeça. A maçã cai no chão. Ela apanha e lhe entrega enquanto encomenda as luzes que vão colorir sua casa.

Novo corre-corre. Um jovem avança sobre os carros em movimentos. Leva uma bolsa feminina entre os braços. Uma moça segue atrás. Ele some na multidão. Ela chora sozinha. O sol aumenta. O calor abafa mais ainda. A multidão se multiplica. E a cidade ferve enlouquecida. A suada se espalha. Ninguém se entende, mas todos se comunicam. A linguagem do natal, assim como a do mercado, se mostra universal, pois que se resume ao quanto custa. Uma senhora de boca cheia bate no filho. Outra reclama o ato. Início de novo rebuliço que se apazigua com o tempo. Alguém pede esmolas. Os olhares se viram. Afinal, os dias são de preparativos e solidariedade é coisa para o grande momento. Não se antecipa sentimentos natalinos.

No meio das incoerências natalinas, pelo menos um milagre aconteceu e a Simone não cantou a melodramática, chata e tradicional melodia de sempre. Mas como nem tudo é felicidade, o Rei do comercio fonográfico trouxe o compacto duplo de volta à moda. Três milhões de cópias em duas semanas e a multidão fez dele “o cara” do ano. Agora é torcer para que no especial da TV ele apareça vestido de papai-noel. Para que todos juntos, mais uma vez, cantem emocionados: “esse cara sou eu”. Talvez alguns chorem diante da grande tela nova. E seguindo o script se abracem e desejem felicidades mútuas. Talvez até saiam as ruas distribuindo os restos da ceia ou presenteando criancinhas pobres. Afinal de contas esse é o espírito do natal! Agora, se você ainda não comprou o seu é melhor correr para o centro do Recife. Na bagunça urbana promovida pela atual gestão sempre cabe mais um maluco por natais fabricados em série.

sábado, 1 de dezembro de 2012

NOVO ROTEIRO CINEMATOGRÁFICO PARA SPIELBERG.


CAPA:DIÁRIO DE PERNAMBUCO.



MAR,  CERVEJA, FUTEBOL E TUBARÕES.

A vida imita a arte ou a arte imita a vida? Creio que respostas à questão seriam tão complexas e inexatas quanto possíveis hipóteses acerca da primogenitura entre o ovo e a galinha, ou ainda, acerca da identidade sexual dos anjos. Mas, independentes das elucubrações necessárias, penso que ambas são correlatas e se complementam. A vida sem a arte não existe, do mesmo jeito que sem vida a arte não se faz. Ambas se inspiram e se referenciam mutuamente. Mesmo sabendo que arte é um conceito por demais amplo, gosto de defini-la como capacidade criadora humana, pela qual se transmite e se expressa sensações e sentimentos. Ou seja, o objetivo final de todo artista é causar sensações. Logo, neste sentido, seu produto final será sempre uma criação artística.

Nas décadas de oitenta e noventa, ir ao cinema era quase um vício. Sempre gostei dos filmes de suspense e terror. Steven Spielberg era apenas um cineasta iniciante, acredito, quando dirigiu o mega sucesso Jaw, exibido no Brasil com o nome Tubarão. A história se passava em um balneário paradisíaco, bastante frequentado por turistas. Na cena de abertura, um jovem casal resolve namorar no mar. Nadam até uma bóia marítima (sinalizador). A câmera d um close no rosto da moça. De repente ela sente uma fisgada na perna. O espanto transforma seu semblante. A famosa musiquinha invade a sala do cinema. Mais um sopapo e eles somem sobre as águas. É o início de um suspense que prenderá o espectador na poltrona até a última cena. Dias depois seus corpos são encontrados na praia, provocando espanto entre os nativos e visitantes. Desenrola-se então uma grande trama de interesses políticos. Os especialistas se alarmam com a violência do ataque e suspeitam de um grande predador marinho. Os governantes locais, contudo, pedem cautela e repelem a idéia com medo dos impactos sobre o turismo, principal fonte de renda municipal. Para piorar a situação, a pequena cidade encontra-se lotada devido ao torneio anual de acrobacias aquáticas. Ante o impasse, o silencio torna-se regra. Porque espantar os turistas se não existiam provas concretas sobre o eminente perigo? Os ataques continuam a ocorrer, mas são considerados casos isolados. Mesmo assim medidas paliativas são adotadas apenas como precaução. No dia do grande evento, finalmente o mistério se revela na forma de um imenso tubarão que ataca ginastas e banhistas. Moral da história, o que poderia ser evitado se transforma em uma grande tragédia, banhando de sangue o límpido mar azul.

Creio que descrever o final do filme torna-se desnecessário, uma vez que a película bateu recordes de bilheteria. Virou um fenômeno. Dizem alguns especialistas comportamentais que o filme contribuiu diretamente para a imagem negativa, associada pelo censo comum aos tubarões. Particularmente, desenvolvi uma fobia que me impede de entrar em mar aberto. No campo da psiquiatria fobia é uma designação comum às diversas espécies de medo mórbido. Denomina horror instintivo a alguma coisa. Uma aversão irreprimível. Contudo, entendo que a fobia, muitas vezes, desenvolve-se pela eminência de um perigo, ou risco, nem sempre concreto ou real. Mas em Recife, os ataques de tubarões são realidade. Isso ninguém pode negar. Já foram contabilizados mais de 54 ataques, alguns fatais. Logo, meu medo tem fundamento. Como o surf nunca foi uma prática esportiva que me despertou grande interesse ou fascínio posso dizer que de certo modo me sinto confortável. Porém, acredito que quando vidas estão em risco é preciso providências eficazes por parte dos gestores públicos, e logicamente da sociedade com um todo. Não se pode ser irresponsável, por exemplo, a ponto de acreditar piamente que quem entra no mar tem plena consciência dos riscos que corre.

Lógico que o tubarão não é grande vilão dessa história. Isso fica para o cinema. Os ataques são consequencias dos impactos ambientais, ou seja, resultado das ações desordenadas dos homens, que também são grandes predadores. Neste sentido, lembro de uma situação semelhante, quando especialistas e a imprensa chamavam a atenção da população sobre o risco da Cólera. O receio era que o banho de mar pudesse provocar o contagio de banhistas e a consequente disseminação do vibrião colérico. Para acalmar os ânimos e por um ponto final na histeria popular, o então prefeito de Recife, Joaquim Francisco, entrou no mar de Boa Viagem e nadou em frente às câmeras e a população. Será que na situação atual, algum dos gestores repetiria tal façanha? Questiono porque esta semana, os jornais locais estamparam nas capas, a captura de mais quatro tubarões, por pescadores, em menos de vinte dias, em praias bastantes frequentadas no litoral pernambucano. A notícia reacendeu o pânico de ataques a surfistas e banhistas. Segundo as informações divulgadas, no dia 10 de novembro, um Tubarão Cabeça-Chata foi capturado nas imediações do Porto do Recife; no dia 13, outro Cabeça-Chata foi capturado na praia de Pau Amarelo, em Paulista; no dia 16, um Tubarão-Lixa foi capturado na praia de Del Chifre, em Olinda; e, no dia 25, mais um Cabeça-Chata foi capturado no Pontal de Maracaípe, em Ipojuca.

Agora vamos aos fatos. Para o CEMIT – Comitê Estadual de Monitoramento de Incidentes com Tubarões, não há motivos para pânico, pois tais episódios são considerados normais, efeitos da pesca predatória. Do outro lado, o Propesca – movimento que defende o controle biológico dos tubarões através da pesca e extermínio – destaca a preocupação, alertando a população e governo para o risco de novos ataques. Alguém consegue ver semelhanças entre a ficção e a realidade? Será este episódio uma imitação da arte? Ou nos casos que envolvem grandes cifras, tal procedimento torna-se comum, e por isso a arte torna-se apenas a replicação da realidade e natureza humana? Talvez, a grande diferença entre o balneário fictício de Spielberg e nosso tranquilo litoral esteja apenas no evento turístico de grande porte. Será? Nós não temos torneio de acrobacias aquáticas, mas temos torneio de surf em Maracaípe. Também é bom lembrar que estamos no final de 2012. Dezembro tem reveillon em Boa Viagem, e tomar banho de mar ao romper do ano renova as energias. Dizem até que dá sorte. Será?

Ano que vem tem a Copa das Confederações, e um ano depois teremos a grande Copa do Mundo. O que nos alivia é que em São Lourenço da Mata, município onde ficará localizada a Cidade da Copa, não tem mar. Mas também não tem, ou terá hotéis suficientes para tanta gente, o que significa que os milhares de turistas estarão espalhados pela orla da Grande Região Metropolitana. O bom do negócio é que além de torcer pela seleção brasileira, que é sem dúvida nenhuma menos agressiva, também torceremos para que o time dos Cabecinhas Chatas resolvam curtir umas férias em outras paragens. Minha preocupação é porque jogo da seleção brasileira tem tudo haver com bebidas alcoólicas e praia. A primeira até já foi liberada nos estádios onde acontecerão os jogos. Já pensou que maravilha? A segunda, porém, com certeza não será bloqueada. Porque por aqui, proibida mesmo só a marca de uma das cervejas que farão a festa das multidões. Então, não querendo ser pessimista, mas apenas precavido, se você pretender romper o ano na praia ou assistir aos jogos à beira mar, melhor seguir os conselhos dos especialistas no assunto. O problema é escolher entre estes, afinal de contas no Brasil temos especialistas para tudo, seja nos governos, na imprensa, na academia, e principalmente nas rodas de amigos que curtem uma gelada na praia.

Para facilitar sua vida, trago algumas opiniões fundamentadas em expertises. Segundo Francisco Santana, por exemplo, presidente da Sociedade Brasileira para Estudos de Tubarões e Araias – SBEEL, “respeitar a sinalização é fundamental, principalmente nos meses de maio, julho e setembro, que somam o maior número de ocorrências”. Em que mês mesmo será realizada a Copa do Mundo? E a das Confederações? Ainda bem que o reveillon só acontece em dezembro. Segundo ele, “as pessoas não precisam deixar de ir à praia, mas devem ficar atentas às proibições”. Neste aspecto, acho que ele se refere aos 34 km de litoral pernambucano dotados de painéis informativos que orientam banhistas e surfistas. E vale salientar que estas placas estão “super-bem” sinalizadas e destacadas na orla do perímetro que vai da praia do Paiva, no Cabo de Santo Agostinho, até a praia Del Chifre, em Olinda. Você, com certeza já viu alguma delas! Mas, já de uma paradinha para ler? E os tubarões, será que também já fizeram o mesmo? Pergunto por que, provavelmente os dois engraçadinhos que foram capturados em Pau Amarelo e no Pontal de Maracaípe são novatos por aqui. Talvez fosse bom reeducar os peixinhos carniceiros sobre os limites para os ataques. Bom, de qualquer forma, temos tempo ainda para pensar alternativas menos graciosas. O negócio é não desanimar. Até porque já temos experiências com grandes eventos. No Carnaval mesmo, nunca houve registro de ataques de tubarão. Será?

O importante mesmo é saber que existem cerca de 500 espécies de tubarões em todo o mundo. E que deste total só registramos no Nordeste ocorrências envolvendo 45 espécies. Especificamente em Pernambuco os campeões na modalidade ataque-fatal são os Cabeça-Chatas e o Tigre, que só perdem em agressividade para o Tubarão Branco e o Tubarão Galha-Branca, e que estão presentes em nossa costa. Fora isso, que tal rever o filme do Spielberg? E por falar nisso, quem sabe se com a projeção internacional promovida pela Copa de 2014, Hollywood não resolve filmar a continuação da série em nosso paradisíaco e seguro litoral? Já pensou que maravilha seria? As tomadas de cena poderiam ser em Boa Viagem ou Piedade, onde ocorrem mais ataques. Nessa versão, poderíamos colocar todos os políticos surfando, comemorando aos resultados do turismo. De repente uma grande sombra cinzenta aparece nas águas claras. Eles começam a se juntar em blocos, desesperados em salvar a própria pele, como sempre acontece em situações de perigo. O tubarão emerge das profundezas e abre sua grande boca repleta de camadas sobrepostas de dentes afiados. A musiquinha infernal tocaria ao fundo enquanto o animal avançaria em direção ao grupo... [o final vocês decidem]. Brincadeiras a parte, é bom lembrar que logicamente tudo não passaria de pura ficção, até porque político que se preza não corre riscos. E aí, vamos torcer? Quem sabe você não consegue uma figuração? Sabe nadar? E fugir de tubarão? Então, melhor ler as placas de sinalização e torcer para que os especialistas estejam certos.

Fonte: diário de Pernambuco, 27 de novembro de 2012.