terça-feira, 27 de novembro de 2012

BRASIL: R$ 1,5 TRILHÃO ARRECADADO EM IMPOSTOS



MUITO TRIBUTO E POUCO RETORNO: PARA ONDE VAI NOSSO DINHEIRO?

Você sabe como e onde é aplicado o dinheiro do seu imposto? Estudo recente, realizado pelo Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário – IBPT, a partir dos dados fornecidos pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCIDE, e da Organização das Nações Unidas – ONU, divulgado pela imprensa, revela que entre os países com as mais altas cargas tributárias, o Brasil é o país que oferece a pior contrapartida social aos contribuintes. De 30 países pesquisados, o Brasil ficou classificado na 12ª posição, com resultados piores do que os da Argentina e do Uruguai. Sabe-se que a arrecadação tributária é fundamental ao Índice de Desenvolvimento Humano - IDH, ou seja, a aplicação do dinheiro arrecadado através dos altos impostos deve retornar aos contribuintes em forma de serviços públicos de qualidade, tais como saúde, educação, segurança, transporte, seguridade e assistência social, além de qualificação para o mundo do trabalho. Pelo menos, essa é a lógica. O ilógico da questão é a não aplicação destes recursos visando o desenvolvimento saudável da população, o que já se tornou praxe no Brasil.

O mesmo estudo revela, que segundo dados do Banco Mundial, nós brasileiros passamos em média 2.600 horas por ano trabalhando. Os impostos consomem o equivalente a 110 dias de trabalho. O que significa que passamos quase quatro meses suando muito a camisa para sustentar os cofres públicos. Isso representa um terço de nosso ano produtivo. Não parece muito? Tomemos então como base de cálculo um exemplo simples. A hora/aula de um professor universitário, com graduação, especialização e mestrado custa em média R$ 35,00 [não se espantem, pois o valor está atualizadíssimo]. Se este profissional cumprir uma jornada de 100 horas/aulas/mês, receberá um salário de R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais). Lembrem-se, contudo, que esse é apenas um exemplo hipotético, pois não corresponde a realidade da maioria dos professores. Ao final de um ano, somando o décimo terceiro salário, o estressado e provavelmente muito doente professor contabilizará um valor aproximado de R$ 32.500,00 (trinta e dois mil e quinhentos reais). Deste total, R$ 10.000,00 (dez mil reais) serão gastos com impostos ao longo do ano, ou seja, um valor médio mensal de R$ 769,00 (setecentos e sessenta e nove reais).

Pela mesma base de cálculo pensemos em um profissional assalariado, realidade da grande parcela da população. Em 240 horas mensais, com uma média de R$ 2,59 (dois reais e cinquenta e nove centavos) por hora, o sujeito somaria ao final de um ano o patamar aproximado de R$ 8.086,00 (oito mil e oitenta e seis reais), incluindo o décimo terceiro salário. Desse total, com o qual não se garante as condições mínimas de sobrevivência, desconta-se uma média de R$ 2.488,00 (dois mil quatrocentos e oitenta e oito reais) referentes aos impostos, que divididos entre os doze meses do ano equivaleria a R$ 208,00 (duzentos e oito reais) por mês. Só para ter-se uma leve compreensão do que isso significa, basta saber que no ano de 2011, o país recolheu R$ 1,5 trilhão (um trilhão e meio de reais) somente com a cobrança de impostos sobre a população, o que representa 36,02% do PIB nacional, que é a soma de todos os bens e serviços produzidos no país.

Agora analisemos as contrapartidas. Que tal começar pela saúde pública? Ou seria melhor pela educação pública? Isso para não falar sobre as políticas de inserção social, inserção e qualificação profissional, desenvolvimento de tecnologias, segurança pública, saneamento, iluminação, fornecimento de água, transporte público e acesso a alimentação saudável. Quanto do nosso dinheiro é realmente aplicado em benefício dos contribuintes? Mais importante que isso, qual a qualidade desta aplicação? Pensemos nos impostos, que como bem define a palavra, torna-se um investimento imposto a população. Então, como investidor compulsório você se sente satisfeito com os resultados? Você conhece todos os impostos que paga? Sabe o que significa e pra que serve o dinheiro destinado ao INSS, IPTU, IR, ISS, COFINS, IPVA, somente para citar alguns? Afora isso, pagamos impostos sobre tudo o que compramos ou produzimos. E logicamente, não é pouco, nem um e nem outro. Em média o brasileiro paga 30% do valor direito de tudo que consome em tributos. Isto significa que a cada R$ 100,00 (cem reais) gastos, R$ 30,00 (trinta reais) são recolhidos pelos cofres públicos. Assim, por exemplo, se pegarmos um ônibus para ir trabalhar [o que nem todos têm o direito], o valor do imposto estará embutido na passagem. Se comprarmos um quilo de feijão [o que nem todos têm acesso], também lá se vai novas taxas. É como se pagássemos pelo direito de concessão. A gente paga para comprar, paga porque comprou e consequentemente, paga para usar. Por outro lado, quem produz pagará para produzir, pagará porque produziu, pagará para transportar, e consequentemente, pagará para vender. Além de que pagará novamente se você comprar o que foi produzido. É pagamento sobre pagamento. Traduzindo, tributação sobre tributação. Ou seja, somos cobrados o tempo todo e de todas as maneiras. Nada sai de graça, muito menos é dado de presente. Apesar dos políticos de carteirinhas adorarem introjetar isso na cabeça dos menos esclarecidos.

Definitivamente viver no Brasil não é tarefa fácil, pois além de pagarmos caro somos ludibriados o tempo todo. Em outras palavras, somos roubados. Se metade dessa soma fosse realmente aplicada em benefícios à população estaríamos em outro patamar de desenvolvimento e qualidade de vida. Vivemos em país onde a casa própria ainda é um grande sonho de consumo para mais da metade de população. Mantemos um país que mesmo nos cobrando 11% só de INSS, sobre todos os nossos ganhos mensais, ainda nos estimula a fazer previdência privada para garantir uma aposentadoria futura mais digna. Somos um país com uma grande rede de saúde pública, mas que nos obriga a pagar caros planos de saúde, porque tememos morrer nas filas de espera. Uma nação que nos obriga a blindar carros, gradear portas e janelas, instalar câmeras até... [onde não se deveria], além de pagar pela contratação de segurança patrimonial, para nos sentir protegidos. Até o IR sonegado pelos senadores teremos que pagar por eles tinham entendido que o que receberam nos dois anos anteriores era abono, o que não incide sobre a tributação por não representar salário direto.

A gente trabalha para juntar dinheiro, se sacrifica para conquistar a tal sonhada estabilidade financeira, e aí descobre que quanto mais se ganha [o que significa: mais se trabalha], mais se paga. E não adianta esconder porque se tem alguma coisa que ainda dá cadeia no Brasil é sonegação do Imposto de Renda. Então você compra um apartamento e pensa que ficará tranquilo para o resto da vida, livre do pesadelo do aluguel. Por alguns momentos pensará até que é o dono do próprio nariz. Ledo engano! Apesar de ter suado para comprar, terá que pagar mensalmente para usufruir. Você paga IPTU? Quanto custa o seu condomínio? E taxa a bombeiro? Seu prédio paga pela conservação das maravilhosas calçadas que vivem esburacadas? E o imposto de Marinha? Quem mora no centro do Recife sabe do que falo. Por acaso alguém já lhe informou que parte deste último imposto vai para os herdeiros da Família Real? Que isso faz parte do acordo de negociação para que o país se tornasse independente de Portugal? Ou você, em algum momento de sua vida, acreditou naquela história da carochinha que te contaram na escola sobre um príncipe bonachão que gritou a independência as margens do Ipiranga? Até hoje a “família real” brasileira, que sonha em reestabelecer a monarquia como regime político, suga nossas veias. Alguém perguntou se você concorda com isso? Será que poderíamos fazer um plebiscito?

Mas, voltando ao assunto, você tem carro? E estacionamento, você paga? Paga Zona Azul? E IPVA? Seguro? Pedágio? Taxa para a conservação das vias e estradas? E as multas? Paga ou prefere pagar as propinas constantemente solicitadas pelos que deveriam garantir a segurança no trânsito? Resumindo, mesmo sendo proprietário você terá que pagar para ter direito a uso. Ou seja, é quase um faz de conta. Igual ao direito democrático de ir e vir. Agora pensemos no quanto o país gasta dos nossos recursos para manter uma máquina administrativa falida, mais conhecida como Serviço Público, principal responsável pelo retorno de nossos investimentos. Você, com certeza, já precisou de algum desses serviços pelo menos uma vez na vida. Sinceramente, qual sua avaliação? Está satisfeito com a justiça, por exemplo? Ela atende a seus interesses ou apenas a de pequenos grupos? Será que se você tivesse cometido algum delito, ainda estaria sendo julgado, como os larápios envolvidos no Mensalão? Você já conseguiu, pelo menos uma vez, garantir seus direitos perante os tribunais? Eu tenho um processo em tramitação que há sete anos não avança. Você já precisou ser socorrido em hospital público? Já precisou acionar o SAMUR? Eu já e ele não veio. Sente-se seguro em usar os serviços da saúde pública? Será que vão conseguir te atender a tempo? Será que não vão aplicar leite ou sopa nas suas veias? Será que corremos o risco de infecção hospitalar? De o teto desabar sobre nossas cabeças? De faltar medicamentos? E se o plantonista tiver faltado? De qualquer forma acho que podermos recorrer aos postos de saúde. No seu bairro tem Policlínica ou “Pobre-Clínica”?

E quanto a educação de seus filhos, confiaria a uma escola pública, seja ela municipal, estadual ou federal? Será que tem professor nas salas de aula? E se tem, será que eles estão capacitados? Será que tem cadeira suficiente? E fardamento e merenda têm? Segurança não tem. Isso eu sei. Mas em compensação tem Tablet. E caso a aula não seja sedutora, ou o professor falte, seu filho poderá acessar o Facebook. Afinal de contas inserção digital também é responsabilidade do governo. Ou não? E a coleta de lixo? Passa regularmente na sua rua? Ela ainda não é asfaltada? Tem certeza? Já verificou na prefeitura de sua cidade? Vai ver asfaltaram e você não viu. E a água que sai de sua torneira? É de boa qualidade? Aqui no meu prédio se coloca toneladas de cloro. O bom é que parece leite jorrando na pia. Já pensou que fartura? E a energia, também é de boa qualidade? Tem apagão no seu bairro? Aqui no centro do Recife, de vez em quando fica tudo no escuro. O pior é que quando queima os eletrodomésticos nem adianta reclamar porque a justiça é cega.

Você confia na polícia brasileira? Se sente seguro andando nas ruas durante a noite? Já presenciou algum tiroteio? Aqui no centro de vez em quando tem faroeste de graça e ao vivo. Por acaso já precisou prestar queixa em delegacia? Ficou com medo ou não? E retirar algum documento urgente na polícia federal? Já tentou e foi bem sucedido? Mês passado precisei de uma declaração de nada consta, que tinha que ser original, e tive que esperar cinco dias. Como a declaração veio errada, tive que esperar mais três. Na terceira tentativa esperei cinco horas para corrigirem um novo erro. E por fim, para não me prolongar muito, quanto ao governante de seu município? O de Recife, felizmente, foi proibido de disputar a reeleição. Digo felizmente porque até um tsunami causaria menos estrago.

Agora o melhor de tudo. Você já observou atentamente no quanto os funcionários públicos têm a mania de nos tentar fazer entender que nos estão prestando favor? Não generalizando, claro, mas já percebeu como é doentio o mau humor e a falta de simpatia que nos destinam durante os atendimentos? E a disposição em se mostrar cortês e prestimoso? E quanto à iniciativa e pro-atividade? E olha que muitos ganham abonos por resultados. Você acredita que eles têm metas a atingir? E o mais incrível, que eles conseguem? Alguém já foi em um posto do DETRAN? Já precisou do atendimento rápido da prefeitura do Recife? Até para reclamar imposto indevido você sofre. Quem quiser que me chame de radical, mas enquanto o conceito e o fundamento de funcionalismo público se pautar em estabilidade, nada muda. Ou você nunca pensou em concurso público como sinônimo de regalia e pouco trabalho?

Como diz João Eloi Olenike, presidente do IBPT, órgão responsável pelo estudo, “não há problema em pagar muito imposto se o cidadão tiver em troca serviços básicos, como saúde, educação e segurança gratuitos e de boa qualidade”. O problema não é reduzir a arrecadação dos tributos, mas entender para onde vai esse R$ 1,5 trilhão, que sai anualmente dos nossos bolsos.

Fontes:

Jornal do Commercio, Economia, 27 de Novembro de 2012;

Diário de Pernambuco, Economia, 27 de Novembro de 2012.

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

BAR DA GALEGA - O MELHOR DO MERCADO DA BOA VISTA


GALEGA DO MERCADO DA BOA VISTA



GALEGA: A DONA DO MERCADO

Segundo os dados do Censo 2010, mais de 30% das famílias brasileiras já são monoparentais. Isso significa estruturas familiares constituídas por apenas um dos genitores. Em sua quase totalidade estas são chefiadas por mulheres, que além de mães tornam-se as únicas provedoras de seus filhos. E entenda-se que o ato de prover vai muito mais além do que garantir economicamente o sustento, mas inclui as dimensões afetivas e emocionais necessárias ao desenvolvimento saudável de qualquer criança. Há muito penso em escrever sobre as mulheres guerreiras do Recife. E estas são muitas, basta olharem as ruas. Quem conhece, por exemplo, o Mercado da Boa Vista com certeza conhece “Galega”, mulher simples, dona de uma vitalidade impressionante. Impossível não se contagiar com sua alegria. Impossível não se impressionar com sua garra.

Conheci Galega há uns cinco ou seis anos atrás através de um amigo que, de certa maneira, também me apresentou ao Mercado. Era domingo e o espaço estava lotado, como na maioria dos finais de semana. Em meio à multidão uma mulher magra se movimentava com graça e simpatia, saudando a todos que a cumprimentavam. Sua diferença se fazia pelo atendimento. Galega é do tipo de pessoa que nos dá a impressão de velha conhecida. Daquelas pessoas que nos transmite sensações de proximidade e acolhimento. Hoje em dia vou mais ao Mercado da Boa Vista por Galega do que especificamente pela comida ou qualquer outro atrativo. Para mim tornou-se referencia local, e independente do quiosque em que trabalhe, mantém sua principal característica, o atendimento personalizado. O cardápio é ditado com voz simpática e brincalhona. A propaganda do estabelecimento fica garantida pela confiabilidade que transmite aos clientes. Perde-se ou se ganha clientela no manejo da Galega. Já deixei várias vezes de almoçar no Mercado por falta de mesas no estabelecimento em que atende. Assim, a simpatia pelo espaço e/ou pelos donos dos boxes torna-se extensivo.

Neste sentido, não é só o produto comercializado que importa, mas o valor humano que se agrega. A garantia da qualidade oferecida torna-se indiscutível diante da fidelização. Transforma-se, em certa medida, fator secundário. O prazer consiste em almoçar ou, simplesmente, bebericar ouvindo suas histórias. Mas do que a dinâmica do Mercado, ela nos informa sobre as dinâmicas da vida e da cidade. Oferece-nos outro olhar sobre determinados fatos ou acontecimentos. Uma espécie de mulher sábia, autodidata, que parece curtir com a vida. Uma pessoa real, que tem problemas, ambições e sonhos. Uma batalhadora que estabelece estratégias de manutenção e sobrevivência. Que garante a dignidade das relações igualitárias entre fornecedor e clientes. Uma mulher que parece empregar sua marca em tudo o que faz.


MERCADO DA BOA VISTA
SÁBADOS E DOMINGOS - 09:00 AS 17:00
Moradora da Comunidade do Bode, no bairro do Pina, Galega é mãe dedicada, que planeja os ganhos em detrimento da família. Nada perece fugir de seu controle, mesmo nas situações mais difíceis, e essas não são poucas. Mulher de valores concretos que emprega ao Mercado a leveza que nem sempre a vida lhe destina. Não se lamenta, não reclama, não se vitimiza. Ao contrário, mostra-se sempre determinada em seus propósitos, de domingo a domingo. Com sol ou com chuva o tempo se mostra límpido. Não existe mal humor, mas existe verdade em seus gestos e expressões. Uma mulher viva e intensa que do mesmo jeito se que se torna fera diante das injustiças se revela doce e pura perante a delicadeza e o respeito. Profissional batalhadora que sonha em abrir seu próprio negócio: “O Bar da Galega”. Bar inclusive que já é realidade. Quem vai ao Mercado da Boa Vista não procura pelo Boxe X ou Y. Busca-se o Bar da Galega, onde se encontrará sempre a melhor comida e a cerveja mais gelada, acompanhadas de boa conversa e boas gargalhadas. Sem sombras de dúvidas uma pernambucana arretada! Daquelas que vale a pena conhecer e aplaudir.

Galega não tem um bar ou um quiosque no Mercado, tem todos. Por isso, basta chamar seu nome para descobrir seu paradeiro. Na esquina, na ponta, no meio, no lado direito ou esquerdo, não importa. Sempre existirá uma mesa e um sorriso a sua espera. Buchadinha, sarapatel, galinha a cabidela, dobradinha ou arrumadinhos que não são mais do Mercado. São as especiarias da loura sempre maquiada e arrumada que, às vezes, se anuncia como “Galega do Babado” em tom de gozação. Assim, para quem busca por prazer durante o almoço, ou diversão nas manhãs e tardes dos finais de semana, não pode deixar de comparecer ao “Bar da Galega”. O endereço? Mercado da Boa Vista, no centro do Recife. O número do Boxe? Não importa. É só perguntar ao público. Galega não tem posto, não tem dono, não tem patrão. Tem mais que amigos. Tem clientela certa. Até porque todo mundo sabe que “o povo deve ir onde o artista está!”

Vale a dica: Bar da Galega, todos os sábados e domingos, das 09:00 as 17:00! Bom apetite!

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

UM FURACÃO DE ARBIRIEDADES NO PINA

Diário de Pernamuco, 07.11.2012
BOM DIA RECIFE, O FURACÃO SANDY ARRASOU O BAIRRO DO PINA

Você sabe o que é desespero? Já passou por alguma situação de desespero extremo? Já viu sua casa e sua história de vida ser destruída em poucos minutos? Já ficou desolado, sem saber o que fazer da vida, sem saber para onde ir ou a quem recorrer? Então conhece o significado de aflição. Já sentiu na pele o profundo sentimento de abatimento moral que decorre de circunstâncias penosas? Já se agoniou? Então, já viveu um estado de grande desalento, de profunda tristeza ou mágoa. Um desgosto pela vida, comum as situações de injustiça. Já viveu e sentiu a força da ansiedade e da angustia. Já se sentiu impotente, fraco diante de uma situação ameaçadora.

Milhões de brasileiros com certeza se penalizaram com a situação dos norte americanos atingidos pelo furacão Sandy. Quarteirões inteiros foram destruídos, acabando com o sonho e as histórias de várias famílias. Esta é uma situação de impotência extrema. Não se pode lutar contra a natureza, porque ela cumpre seus ciclos. Talvez isso possa ser chamado de destino, onde as coisas acontecem porque tem que acontecer. É como se houvesse uma prescrição dos fatos. Neste caso, Sandy, se torna apenas um instrumento de uma força maior. Não terá culpa. Ficará na memória como exemplo de tragédia.

Graças a Deus, não temos dessas coisas por aqui! Somos abençoados! Dirão os mais fervorosos crentes na predileção divina. “Deus é brasileiro!”, anunciarão os mais carolas. Na verdade a única Sandy que temos por aqui só afeta nossos ouvidos. Mas, deve-se considerar que o incomodo não é unanimidade nacional. Tem até quem goste. Fora isso, temos apenas a referência simbólica de duas grandes torres que margeiam nosso litoral, localizado próximo ao Cais de Santa Rita, carinhosamente denominadas “Sandy e Junior”, e que se sobressaem como metro quadrado mais caro do Recife. Assim, nossas semelhanças com a cidade de New York não parecem tão pequenas. Também como a cidade americana, as torres ilhadas pelo mar se elevam como símbolo de poder e inviolabilidade. Já se tornaram referencia para a cidade. Mas do outro lado da ilha uma pequena comunidade denominada como “Vila Oliveira”, que a mais de cinquenta anos se consolidou no Bairro do Pina – já considerado nobre, mas que com o tempo transformou-se em referência de favela, não suportou a força de um furacão chamado Estado.

Assim, quinze famílias entraram em estado de desespero de causa como ultima tentativa de remediar ou contornar uma situação gravíssima – o despejo de suas residências. Famílias em estado de tensão lutando contra a determinação de um Estado de violação. A tragédia também foi televisionada. Mas talvez você não tenha visto por estar muito tenso com o destino dos Estados Unidos, que como se esperava, reelegeu Barack Obama. As duas notícias chegaram mesmo a estampar as capas dos principais jornais pernambucanos. Mas estes preferiram enaltecer a vitória do presidente americano em detrimento dos problemas sociais locais. Neste ponto, acredito que a frase do homem mais poderoso do mundo, publicado no Twitter as 1h20 (do Recife, segundo o jornal), traduza também nossa fatalidade: “Isto aconteceu por causa de vocês”, disse ele emocionado.

“Estamos todos juntos nisto. Assim fizemos a campanha, é assim que somos!” disse o “novo” presidente. No alto da pagina um homem reempossado comemora sua vitória, abaixo uma criança, sobre os ombros do pai, si desespera diante de centenas de homens fardados, integrantes do batalhão de choque, que a desapossava de sua casa e de sua terra. Contraditório? De jeito nenhum, afinal de contas “É assim que somos”. É assim que lidamos com nossos erros. Aprendemos a nos tornar violadores de direitos. Aceitamos passivamente as decisões de um Estado que viola os direitos humanos, pautados em legislações, que muitas vezes, só beneficiam pequenos grupos. Como se despeja quinze famílias, pautados em decisão judicial, cheia de contradições, que já se arrasta por mais de dezenove anos, sem planejamento e respeito? Se a decisão é legal, porque os órgãos competentes não se responsabilizaram pela desocupação da área, oferecendo possibilidades e condições dignas de transferência, inclusive considerando que os moradores possuem documentação de posse sobre a terra concedida pelo então governador Miguel Arraes? Fato destacado pela advogada Maria José do Amaral que representa os moradores da vila.


As informações divulgadas na imprensa mostram que em 2009, os requerentes, donos do terreno com mais de 1.000 metros quadrados, perderam as terras depois que o juiz Francisco Julião deu ganho de causa às famílias, que já moravam na comunidade há mais de cinquenta anos. Porém em 2011, o desembargador Adalberto de Oliveira Melo mudou a decisão favorecendo o casal de proprietários. Segundo a jornalista Mariana Gominho, do Diário de Pernambuco, “já era tarde da noite de ontem quando as ultimas famílias deixaram a Vila Oliveira, no bairro do Pina, zona sul do Recife. Nos caminhões, os móveis seguiram despejados sem muito cuidado”. Para o presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos, Jayme Asfora, a ação é arbitrariamente desrespeitosa: “Empregaram spray de pimenta, até mulheres grávidas foram agredidas, houve muita confusão. Eles estão querendo abrir uma cortina de fumaça para esconder as arbitrariedades cometidas aqui, mas não vão conseguir. Isso não pode ficar impune”. Em consonância com a ausência ou omissão dos órgãos do governo, o promotor de justiça dos Direitos Humanos, Westei Contes questionou: “Para onde vão essas famílias? Porque não havia aqui profissionais para orientá-las? O mesmo destacou as situações de vulnerabilidade a que foram e estão expostas as famílias da Vila Oliveira, salientando o descumprimento da lei, do Estatuto da Criança e do Adolescente, bem como do Estatuto do Idoso.

São idosos, crianças, adolescentes, mães, pais, trabalhadores em estado de desespero. Cidadãos lutando por dignidade. É a lei contra a própria lei atendendo a interesses que não são do coletivo. É uma verdadeira celeuma de imprecisões e [in]definições obscuras. É a omissão da sociedade diante das arbitrariedades de um Estado, a quem cabe a proteção da vida e da dignidade dos sujeitos. É a ineficiência das políticas públicas e dos órgãos “competentes” responsáveis. É o descompromisso social dos governantes. É o descaso com a aplicação de nossos altos impostos. É a especulação imobiliária sobre o bairro do Pina. São as demandas do desenvolvimento econômico do estado. É a contradição de nossos atos. É a inversão de valores morais e sociais. É a nossa realidade de uma cidade sem governo. É a cara do Recife! Quem precisa realmente do furacão Sandy? Será que alguém poderia avisar a modelo Nana Gouveia sobre a tragédia? Quem sabe ela não resolve fazer um novo ensaio fotográfico. Quem sabe assim, nossa tragédia não ganha à divulgação merecida, compadece o público, e a partir daí se exige providencias?

Você sabe realmente o que é desespero? E desrespeito, você sabe?