segunda-feira, 23 de julho de 2012

O MERCADO HOMOERÓTICO DE BUENOS AIRES


AV. 09 DE JULHO - BUENOS AIRES/AR.


Mi Buenos Aires Querido! Primeiras impressões sobre o mundo gay portenho.

Há uma semana em Buenos Aires, já consigo me situar e identificar espaços e equipamentos que compõem o mercado homoerótico portenho. A cidade em si parece geometricamente desenhada, o que facilita em muito a vida do visitante. Através de avenidas e ruas amplamente largas e compridas atravessa-se de um lado ao outro o grande centro com facilidade. Da Casa Rosada, localizada na Plaza de Mayo, até a Plaza de Congreso, onde me encontro, são apenas algumas quadras que se pode caminhar tranquilamente. Como as quadras são compostas por quatro ruas sabe-se, por exemplo, o quanto percorrer até um determinado ponto da cidade. Assim, sem grandes dificuldades iniciei minha peregrinação pelas ruas de Buenos Aires buscando identificar bares, hotéis, pousadas, motéis, boates, saunas, espaços de pegação e/ou de socialização homoerótica/homoafetiva. Diferentemente de Recife, aqui estes espaços não são sinalizados, o que a primeira vista parece revelar certo cuidado proposital que objetiva a invisibilidade.
SAUNA NO CENTRO DE BUENOS AIRES
Depois de alguns contatos pessoais sair para conhecer a famosa Calle Florida, rua de grande movimentação onde se encontra a Galeria Pacífico, que congrega a maioria de gays da cidade. Repleta de lojas, o corredor comercial parece representar um espaço ou ponto de encontro para todas as tribos. Em uma de suas extremidades encontra-se a Plaza San Matin, onde a noite pode-se observar homens jovens sentados ou circulando espaços estratégicos. Talvez seja este um espaço de pegação, talvez funcione como ponto de encontro e/ou de definições de programas. Uma de suas paralelas é a Calle Maipú, onde verifiquei pouquíssimos garotos que permaneciam por longos períodos encostados nas paredes de antigos prédios e casarios. Apesar de contrariarem o estereótipo de um garoto de programa, devido a discrição e indumentárias, acredito não terem outro motivo, além da espera de clientes, para se manter por tanto tempo em ruas tão frias. Nestas duas ruas, durante o dia pode-se verificar homens mais velhos abordando transeuntes para a entrega de cartões e folders sobre apresentações de shows eróticos – são os agenciadores e/ou cafetões. Na verdade esta é uma estratégia também utilizada pelas próprias prostitutas como forma de divulgação de seus serviços. Estes cartões podem ainda ser encontrados em postes, placas de sinalização, coletores de lixo ou paredes de edifícios por toda a cidade. De certa forma, a prostituição feminina em Buenos Aires parece amplamente consolidada e generalizada. Contudo, imagino que as práticas sexuais comerciais em sua primazia se estabeleçam a partir dos espaços privados, e com menor frequência em espaços públicos. Tanto que durante as circulações noturnas pelas principais ruas da cidade não constatei a prática da batalha tão comum nas cidades brasileiras.

Na tentativa de facilitar meu trabalho, recorri à internet como recurso para mapear possíveis espaços da prostituição masculina e de socialização homoafetiva. Com anotações em folha, voltei às ruas. Seguindo pela Calle Marcelo T. de Avelar, cruzando a Avenida 09 de Julho, chega-se ao Flux Bar, indicado como único bar gay do centro. Os números dos prédios saltam diante de meus olhos e não consigo identificar o endereço. Procuro por um nome, bandeira do arco-íris ou algo sinalizador. Nada. Apenas uma porta preta metálica me chama a atenção e confirma minha hipótese da proposital invisibilidade. Sigo então pela Av. Santa Fé, que margeia a Plaza San Martin e rumo para o lado oposto da cidade. Mais ou menos umas vinte quadras chego ao número indicado. Procuro o Titanic Club. Estamos no Barrio da Ricoleta e novamente me deparo com outra porta metálica preta, fechada com correntes e sem número de identificação. Acima visualizo outro nome – Kilómetro Zero, diagramado de forma bastante discreta. Próximo encontra-se o Contramano Café-Bar, localizado na Calle Rodrigues Penã, no mesmo barrio, destinado ao público gay mais maduro e também frequentado pelos michês. Pela Calle Azcuénaga busco pelo Search Bar. Agora dou de cara com uma porta metálica vermelha, sem nenhum nome ou número indicativo. É a mesma estratégia que se destaca pela discrição. É a mesma forma arquitetônica que me dá a impressão de que em Buenos Aires tudo é muito compacto. Pela Av. Cordoba chego a Calle Viamonte e tomo o sentido Universidade de Buenos Aires até alcançar o Tom´s, classificado como bar de pegação. Paro em frente a um prédio comercial e novamente não localizo o empreendimento. Decido descer por uma escadaria, ao lado esquerdo da recepção. É no porão que se encontra instalado um dos mais discretos empreendimentos do comercio homoerótico portenho. Sigo treze quadras a frente e me deparo com um casarão antigo de estrutura bem conservada. São três andares com janelões amplos e de tonalidade discreta. A Full Spa é uma sauna, que como as do Recife, preza pelo anonimato. Um homem desconfiado entra tão rápido por uma porta lateral, que se fosse supersticioso juraria ter visto alma penada. Mais quatro quadras e chego a Angel´s Disco, boate gay que oferece em sua programação shows de travestis e garotos de programa. Olho o caderno de anotações e conto mais cinco espaços identificados. O desanimo me bate e volto ao apartamento para os primeiros registros.
No final de semana decido conhecer a boate. O frio exige casacos e adereços extras, além de grande disposição e boa vontade para enfrentar a noite. Estamos a quatro graus e as ruas parecem lotadas. Na Av. Corrientes multidões formam filas em frente aos milhares de teatros, cinemas e casas de shows. A cultura em Buenos Aires tem publico garantido, o que lembra muito as cidades européias. Os bares estão cheios. Uma profusão de casacos e corpetes desfila a minha frente. A cidade parece em ebulição. Chego a Angel´s a meia noite e meia e encontro centenas de jovens abraçados ou em grupos. O cenário parece familiar e começo a confirmar uma de minhas teorias – toda boate é igual independente de sua localização ou nacionalidade.  Entro no espaço e começo o reconhecimento das instalações. A entrada de $ 40,00 (quarenta pesos) garante duas consumações. Considerando que a cerveja custa atualmente $ 12,00, o preço se mostra bem accessível, fato constatado pelo biótipo do público. Na entrada, uma escadaria leva a boleteria e ao guarda-casacos. Um bar ocupa o pavimento, que se mostra apertado diante da quantidade de gente. Sinto-me um estranho no ninho devido aos olhares que identificam não apenas a presença do estrangeiro, mas também de carne nova. Uma escada metálica, vazada, leva tanto ao pavimento superior quanto ao porão. São duas pistas onde a maioria se concentra em coreografias e performances tão comuns quanto a trilha sonora. Acredito que boate é um produto de massa importado, inclusive, com direito a manual de funcionamento. Percebo que estes espaços não possuem identidade cultural própria. É como se quem fosse a uma boate precisasse saber antecipadamente como se comportar. Verifico a mesma pasteurização de rostos e condutas performativas tão comuns entre os gays recifenses. No banheiro amplo a pegação se limita aos olhares, pois existe uma pessoa responsável pela limpeza e segurança do local.

Aproximo-me de um bar e observo comportamentos. Pouco a pouco começo a identificar os personagens da noite. Estão lá: as Barbies, cuidadosamente esculpidas e presas as suas blusas de malhas extremamente justas; as Chiques-de-Equê, que passam a noite inteira segurando a mesma lata de cerveja; as Mariconas-Equivocadas que sofrem do complexo BC - “baile da cinderela”; as Monas-Sérias, linha bicha de família, sempre agarrada ao namorado, que ostenta como troféu e demarcador de diferenças; as Bichas-Loucas que mais parecem pipoca e pulam e dá pinta a noite inteira; as Velhas-Travas, sempre acompanhadas da melhor amiga maricona e com ar saudosista, apesar da maquiagem exagerada que lhe cobre o rosto; as Jovens-Travestis que se agrupam a um canto para “matar” reciprocamente uma as outras; as Travas e Mariconas-Bombadas que chegam acompanhadas do seu Boy de aluguel. Neste caldeirão de identidades performáticas ou performativas destacam-se ainda, as Bichas-de-Caça, sempre atentas ao menor movimento de seus possíveis alvos; os Boys de Programa que circulam os dancings ou prostram-se em pontos estrategicamente pouco iluminados; as BBFs, ou seja, Bichas-Boa-Fácil que beijam e contabilizam os contatos; as Bichas-Carão, sempre altivas e com ar de indiferença que funcionam como mecanismos de defesa; as Sapas-Pesadonas que relembram a pré-história; as Sapas-Depressivas, que sempre brigam com a companheira bêbada e procuram um canto para chorar suas mágoas; o Segurança da casa que aproveita a noite para faturar um extra junto à mariconas, velhas conhecidas; isso sem falar nas Rachas-Melhor-Amiga-de-Frango, que tendem a imitar os gays, e muitas vezes, serve de gozação.

Nada de novo ou muito diferente de Recife. Contudo uma coisa que me chama a atenção é o controle adotado para a entrada das pessoas. Pareceu-me existir um número limite para a lotação, o que faz com uma fila enorme de gays e lésbicas se estenda pela rua. Saí as 04:30 da manhã e constatei mais de cem pessoas, trêmulas de frio, perseverante em seu intento. Não consegui identificar se aquilo se faz como prática ou costume, já que pelo visto os argentinos adoram [e respeitam] uma fila. Estas se multiplicam nas paradas de ônibus, caixas de supermercados ou farmácias, na bilheteria e entrada de teatros e cinemas. Mas dentro dessa perspectiva mais “music”, as boates também servem como espaços demarcadores de diferença de classes sociais, e talvez étnica. Existe em Buenos Aires outra boate chamada Amerika, reconhecida como espaço dos gays burgueses e de pessoas famosas e descoladas. Ao que tudo indica, a prática se multiplica por centros urbanos.  Poderíamos dizer que a Angel´s se assemelha ao MKB, localizada na Riachuelo, enquanto que a Amérika corresponde a Metrópole, instalada na Av. Manoel Borba. No retorno para casa, caminhando pelas ruas ainda mais congeladas, consegui visualizar três travestis batalhando nas ruas, bem como quatro boys de programa, agrupados em uma esquina quase totalmente escura.

Apesar de incipientes estas primeiras observações e informações me revelam semelhanças e diferenças entre os dois mercados. Em Buenos Aires, parece que o mercado do sexo homoerótico encontra-se espalhado, pulverizado entre os bairros. Lógico que estas são apenas suposições, hipóteses para futuras análises que se confirmarão ou serão refutadas e modificadas. De um jeito ou de outro, não nego me sentir feliz por estar novamente no campo de “batalha”, atrás de possibilidades para melhor se conhecer e conviver com a diversidade da sexualidade humana.

terça-feira, 17 de julho de 2012

BIENVENIDO, MUCHACHO!

LAS PRIMERAS IMPRECIONES SOBRE LA ARGENTINA
De um décimo primeiro andar da Av. Rivadávia, observo a noite de uma cidade em movimento. Árvores desfolhadas revelam o outono cuja brisa castiga os corpos desacostumados às baixas temperaturas. Estamos em Buenos Aires, capital da Argentina, em plena ebulição político-econômica. Da varanda me defronto com a imagem de Sócrates que parece refletir sobre as contradições de um grande centro urbano que revela beleza e miséria ao mesmo tempo. O primeiro contato com “los hermanos” revelou-me uma sapiência e astúcia comuns aos brasileiros. É que o golpe praticado por taxistas sobre turistas tornou-se corriqueiro. De forma magistral eles trocam a cédula entregue pelo passageiro e reclamam o valor menor para a corrida. Incrédulo, você se pega em dúvida sobre um suposto engano, pede desculpas e efetiva o pagamento com outra nota de valor equivalente. Passados alguns segundos, após a partida do taxi, relembra que não tinha notas menores. A indignação toma conta de seu ser, porém, está isolado em uma cidade desconhecida, da qual não conhece ainda os procedimentos e condutas. Bienvenido a Argentina!
No dia seguinte, caminho pela Praça do Congresso e percebo que a noite todo gato é pardo. Toda cidade tem mistérios e segredos só revelados a luz do dia. Assim, Buenos Aires, como qualquer metrópole esconde certa desorganização provocada pelas desigualdades sociais, fruto aparente da crise econômica atual. A população de rua logo me chama a atenção, talvez até como forma de busca por referencial com minha cidade de origem. Menos expostos, ou visíveis, como em Recife, homens adultos e idosos se encolhem entre pilastras de antigos prédios históricos. Colchões, roupas velhas e papelões compõem o mesmo cenário das famílias que habitam abaixo de minha marquise. Pegamos um autobus e seguimos em direção ao colorido bairro de La Boca. Casas forradas por telhas metálicas (de zinco) conferem charme e harmonia a cortiços que se transformaram em pontos turísticos. Tudo lembra a boemia. As cores, paredes grafitadas, bares, bonecos decorativos e casas comerciais que relembram os antigos botecos. Vendedores ambulantes e mendigos se espalham pelas periferias do bairro revitalizado. É o outro lado de uma cidade que tenta se mostrar bela e sedutora.
Sigo os amigos de viagem e rumamos para o Puerto del Madeiro, antiga zona portuária do outro lado da cidade. Antigos armazéns foram transformados em belíssimos restaurantes e espaços de convivência. No primeiro e segundo andar, varandas decoradas salientam o cotidiano dos moradores locais. Vários navios e caravelas históricas foram transformados em museus aquáticos e contam a história náutica dos argentinos ilustres. A Ponte da Mulher interliga as orlas de forma magistral. O antigo e o moderno se misturam para revelar uma arquitetura que lembra as grandes cidades europeias. Atravessamos algumas quadras e chegamos a Praça 25 de Mayo, onde se localiza a Casa Rosada e o Banco del las Naciones. Uma fila enorme espera pacientemente a visita monitorada pela antiga moradia dos Peróns. Na praça, frases de manifestos reclamam os mortos na guerra das Ilhas Malvinas. Buenos Aires se mostra viva apesar do frio cortante que parece nos congelar a cada instante.
Pela Rua Paraná, que nos leva diretamente a Universidade onde atualmente realizo meu doutorado em psicologia, começo minha incursão pelo mundo da prostituição. Cartões com números de telefone e descrições de atividades e serviços são afixados em postes de sinalização, semáforos, cabines de telefone público e lixeiros. São as mulheres da “vida fácil” que aqui, se mostram menos visíveis e expostas que em Recife ou nas grandes cidades brasileiras. É meu primeiro contato com o meu universo de pesquisa. É o caminho que pretendo traçar até chegar aos boys de programa, alvo de minhas futuras análises. Apesar do pouco tempo na cidade, percebo que a invisibilidade é um fator intrínseco ao marcado homoerótico argentino.
Permaneço na varanda por mais algum tempo e relembro o Túlio Carella, professor argentino, que no período de 1960 a 1962 esteve em Recife para ministrar aulas na UFPE, e passou a observar nossa diversidade sexual. Através de um diário pessoal, posteriormente transformado em livro, o estrangeiro revelou o mercado homoerótico já existente e estabelecido na capital pernambucana em meados do século passado. Hoje faço o caminho inverso. Venho a Buenos Aires revelar um mercado que não é só nacional ou latino-americano, mas mundial. O mercado homoerótico. Para em análise comparativa buscar entender os fatores e aspectos relacionais. É o universo da subversão que me interessa e me instiga. É a pesquisa sobre as categorias “menos limpa” da sociedade que se apresenta como desafio e motivação. Conhecer o outro para, a partir daí, buscar conhecer a si mesmo. Brasil e Argentina numa perspectiva menos futebolista e mais sociocultural. É a semelhança ou oposições nas amplitudes das sexualidades.
O frio me invade o corpo e não respeita agasalhos. Olho ao longe e observo uma cidade em movimento que ainda não se revela. Tempo e paciência são fundamentais as buscas e descobertas. Esse é a penas o primeiro contato!

quarta-feira, 11 de julho de 2012

BRASIL: UM PAÍS SEM VERGONHA!



Ontem, mais uma vez, a exploração do trabalho infantil foi tema de reportagem. O “Profissão Reporte”, programa exibido pela TV Globo, mostrou, ainda que de forma superficial, a realidade de crianças e adolescentes brasileiras que se inserem, ou são forçosamente inseridas, no mundo do trabalho. Neste sentido, destaca-se o despreparo dos órgãos competentes, bem como de toda a sociedade, no enfrentamento ao fenômeno da exploração do trabalho infanto-juvenil, classificado como modalidade de violência, e consequentemente, violação de direitos. Porém, para se entender melhor o problema em seus vários aspectos e implicações é preciso se apoderar da temática. Assim, proponho uma reflexão acerca das implicações – físicas, psicológicas, emocionais, sociais e cognitivas, correlacionadas a uma prática extremamente brutal, mas que no Brasil se consolida como fator “naturalizado”, embasada por uma cultura prá lá de tupiniquim.

Há muito que a proteção à infância e a adolescência figura como um dos principais interesses internacional, e grande desafio para o Brasil. De forma mais ampla, podemos dizer que nas distintas realidades socioculturais, diversas situações de violações de direitos das crianças e adolescentes têm sido constantemente identificadas no mundo. Tal fato nos serve para revelar a magnitude e complexidade implicadas no enfrentamento desta modalidade de violência revelando-nos o quanto os tratados internacionais são fundamentais e importantes instrumentos para a efetivação das garantias de direitos. Neste contexto, a Organização Internacional do Trabalho – OIT, através das Resoluções nº 136 e 148, ratificadas pelo Brasil nos anos de 2000 e 2001 respectivamente, chamou a atenção mundial para as situações de trabalho as quais crianças e adolescentes estão inseridas, mostrando como essas modalidades de violações de direitos as vulnerabiliza e as expõe às situações de risco pessoal e social. Foi assim que se definiu como compromisso dos países membros o desenvolvimento efetivo de medidas que possam somar esforços no intuito de eliminar todas as formas de trabalho infantil no mundo.

Foi também através dos tratados internacionais que o Brasil assumiu o desafio de erradicar as piores formas de trabalho infantil até o ano de 2015, e de todas as formas de exploração do trabalho infantil até o ano de 2020. Como estratégia de enfrentamento, pôs-se em execução, pelo Governo Federal, no ano de 1996, o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil – PETI, que tem como premissa básica o enfrentamento a tal fenômeno social. Apesar dos resultados positivos, verifica-se a necessidade urgente de maiores investimentos financeiros, humanos e tecnológicos, no sentido de garantir melhores condições de desenvolvimento saudável as nossas crianças. A velha discussão sobre o fato de crianças poderem ou não trabalhar só encontra respaldo porque ainda vivemos em uma sociedade marcada pelas grandes e nocivas diferenças sociais. Sofremos os resquícios de uma cultura coronelista, onde a mão de obra infantil era regra. Na mesma reflexão de que filho de escravo, escravo era, estabelecemos a regra de filho de pobre permanece pobre. Assim, se nega condições básicas de desenvolvimento, tais como alimentação, educação de base, saúde, assistência e acessos ao exercício da cidadania. Compromete-se a qualidade de vida e gera-se crianças e adolescentes atrofiados e sem grandes perspectivas.

É preciso entender que a exploração do trabalho infanto-juvenil é resultado do modelo político-econômico vigente, e que este, tem colocado um enorme contingente da população brasileira em situação de extrema vulnerabilidade e riscos. Neste cenário, destacam-se a necessidade, o oportunismo e a incompreensão como fatores que justificam a inserção precoce de crianças e adolescentes no mundo do trabalho. A situação de pobreza, muitas vezes, torna-se fator determinante para que os pais utilizem os filhos como mão de obra em atividades domésticas, ou os “ofereça” no mercado de trabalho para aumentar a renda familiar. Aqui, talvez valham as seguintes reflexões: porque os filhos da burguesia não trabalham? Porque será que os centros de ressocialização, e todos os demais equipamentos, programa e projetos de inserção e/ou reinserção social, estão superlotados de crianças, adolescentes e jovens que habitam as periferias e comunidades instaladas as margens dos grandes centros urbanos? Pobreza e miséria são questões de escolhas ou falta de possibilidades e perspectivas?

Sabe-se que no século XX, os anos 90 representaram um marco no enfrentamento às condições de trabalho infantil, tanto pela força de mobilização da sociedade civil, quanto pela implementação de políticas públicas setoriais, sobretudo, a da assistência social. Foi neste, e a partir deste contexto que se deu a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA (Brasil, 1990), até hoje mal entendido e interpretado. Antes de criticar é preciso se apoderar de informações e conhecimentos fundantes para não se cair na velha armadilha da crítica vazia e não construtiva. Assim, vale lembrar que até 1993 o Brasil contabilizava um contingente de 9,7 milhões de crianças e adolescentes desenvolvendo algum tipo de atividade econômica. Apesar do pioneirismo nas políticas protetivas, foi somente nos meados desta década que o país assumiu oficialmente a existência de crianças trabalhadoras com idade entre 05 a 09 anos, em diversos estados. Estudos do IBGE (OIT, 2001) mostram que em 1995, por exemplo, existia uma média de 581.300 destas crianças cumprindo uma jornada média semanal de até 16 horas, em sua maioria envolvida nas atividades de agricultura junto aos pais e familiares, especialmente na Região Nordeste. Os dados ainda revelam que o número e proporção de crianças trabalhadoras elevavam-se substancialmente na faixa dos 10 aos 14 anos de idade, registrando um contingente de 3,3 milhões no mesmo ano.

Outro fator relevante para a compreensão e enfrentamento ao fenômeno da exploração do trabalho infanto-juvenil refere-se aos recortes de gênero e territorialidade. Estatísticas oficiais salientam que do quantitativo geral de crianças brasileiras em atividades econômicas, as do sexo masculino são maioria e se encontram nas áreas rurais (IBGE, 2001). Contudo, se faz necessário considerar que o trabalho infantil feminino doméstico é uma das formas de trabalho mais difundidas e menos pesquisadas no país, devido à restrita visibilidade. Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, no ano de 1998, mostraram que quase 400 mil meninas na faixa de 10 a 16 anos trabalhavam como empregadas domésticas, e que, na regra geral, não possuíam carteira assinada e a remuneração, em média, não chegava a um salário mínimo. Quem não conhece, ou nunca conheceu alguma família que trouxe uma menina do interior para trabalhar em sua casa? Não era praxe “ajudar” os menos afortunados, possibilitando melhores condições de vida em troca de pequenos favores e/ou serviços? Quanto e/ou o que essas meninas ganhavam por suas forças de trabalho? Comida? Roupa nova? Acesso a escola? E quanto ganhava as tais famílias benévolas? Será que afastar uma criança de sua terra natal e família de origem, ainda que no intuito de ajudar, submetendo-as a pequenos serviços e afazeres domésticos diários, poderia ser classificado como trabalho escravo?

Sejam no trabalho doméstico, em atividades laborais que envolvem o plantio e colheita da cana de açúcar, ou ainda atividades que envolvam os riscos inerentes as ruas, sabe-se que a exploração do trabalho infanto-juvenil tem contribuído diretamente para as exposições de crianças e adolescentes, de ambos os sexos, a outras modalidades de violência, com ênfase para as situações de abuso e exploração sexual. Neste contexto, o fenômeno da exploração sexual tem se revelado complexo e há muito figura no cenário mundial como ponto de pauta de extrema relevância. Dados do Fundo das Nações Unidas para a Infância - UNICEF (2007) demonstram que no ranking mundial, o Brasil tem se configurado como um dos países com os mais elevados índices desta modalidade de violação de direitos, com destaque para as situações de prostituição-juvenil, constatada em todas as capitais do território nacional.

Assim, combater e enfrentar o fenômeno da exploração do trabalho infanto-juvenil não é uma obrigação apenas de governo, mas das sociedades. Não é uma simples questão de oportunizar igualdades de desenvolvimento, mas de garantir direitos. é uma vergonha ver na mídia, e principalmente na práticas do dia a dia, as condições desumanas a que estão submetidas nossas crianças. E se você, especificamente, ainda tem alguma dúvida quanto a importância do trabalho para o desenvolvimento moral, físico e intelectual de crianças e adolescentes, faça um teste. Leve seu próprio filho a uma “colônia de férias laboral” e submeta-o a pelo menos oito horas por dia, durante uma semana, quebrando pedras ou lavando pára-brisas em um cruzamento qualquer. Depois observe as mãos dele, olhe bem no fundo dos olhos e procure felicidade. Se encontrar, rasgue o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA. Mas, se ao contrário, só perceber decepção, tristeza, cansaço, desilusão, fraqueza e desanimo de vida, saia do discurso burguês alienante e comece a se inteira da temática de forma crítica e consciente, porque a mudança cultural do país precisa começar em você.

Brasil: um país sem pobreza! E não, um país sem vergonha!





domingo, 8 de julho de 2012

PARABÉNS PRÁ VOCÊ... NESTA DATA QUERIDA...


Aniversário é sempre uma data meio complicada porque nos impõe a expectativa de ser lembrado. Essa “lembrança alheia” torna-se então parâmetro de nossa popularidade, tão importante para a manutenção da autoestima. Nesse sentido, ser aceito é receber parabéns. Em nossa cultura, aniversariar é estar em evidencia, o que nos possibilita vivenciar os tão sonhados quinze minutos de fama. Quando crianças, aprendemos a esperar ansiosamente pela festa, com direito a bolo enconfeitado e refrigerantes. Com sorte recebemos o presente desejado. Assim, a data apresenta-se como referencial para a realização de sonhos. A opinião do outro sobre nós, nossa condutas e comportamentos, é fundamental ao processo de socialização. O outro me diz quem sou. É através do outro que me constituo enquanto indivíduo. Neste contexto, as datas comemorativas nos falam sobre o processo de aceitação social que, via de regra, afetará direta e/ou indiretamente nossa auto-aceitação, e até mesmo auto-reconhecimento. Assim como o natal, a data de aniversário tende a configurar-se como prova pública. Ficamos expostos a avaliação alheia. Cada mensagem recebida soa como um sinal de alerta ou alívio. Alguém se lembrou de mim equivale a alguém gosta de mim. Meu ibope aumenta de acordo com o número de mensagens.

Acima de tudo a data nos serve como espaço para reflexões. E acredito que refletir sobre os métodos e meios de demonstração de afetividades nos tempos atuais nos ajuda, inclusive, a repensar o processo de adaptação no mundo moderno. Sou acordado pelo telefone. O toque é diferente do alarme. Do outro lado alguém me deseja feliz aniversário. A entonação era de felicidade espontânea. Era a primeira mensagem. Era o começo do dia. Era o inicio de uma maratona de atividades que não mudaria independentemente da data. Sigo para a agência bancária. Diante do caixa eletrônico atendo as solicitações de comando. Uma mensagem, em letras garrafais, surge a minha frente. [...] hoje é um dia especial para você. O banco [...] lhe deseja feliz aniversário! Mais abaixo, de forma quase discreta, uma nova mensagem piscava na tela: Tecle “enter” para continuar suas operações. O banco [...] agradece a preferência. Não posso negar o impacto imediato causado pela estratégia de fidelização. Porém, passados alguns segundos, lembro que a mesma lógica é adotada pelas operadoras de celular e cartões de crédito. O que muda é forma do envio, mas a mensagem e os objetivos são sempre os mesmos. Concluo que torpedos ou cartões pseudo personalizados não substituem o contato humano, pois que são impessoais. Lembro que milhares de pessoas aniversariam junto comigo, e que, logicamente, milhares de mensagens iguais ou semelhantes são enviadas diariamente. Essas não servem como referencia de popularidade, revelam apenas status social. Sim, você é um cliente especial e estamos interessados em seus investimentos monetários. Poder-se-ia ler nas entrelinhas.

O celular volta a tocar e novas mensagens e congratulações. Algumas formais, tão frias quanto às das máquinas, revelam certa impessoalidade. Funcionam como pequenas “imposições éticas” estabelecidas pela boa convivência social. O tom de obrigatoriedade é sentido na voz. São mensagens breves, sem grande entusiasmo. Não possuem representatividade emotiva para quem emite ou para quem recebe. São palavras perdidas no espaço. Paro então para pensar sobre o porquê de se fazer isso? Tenho amigos que não lembram meu aniversário, e nem por isso duvido de seus afetos. Também, frequentemente, esqueço suas datas de nascimento, mas não suas amizades, e muito menos suas importâncias em minha vida. No meio disso tudo, recebo ligações que me emocionam. O tom e entonação de voz se fazem genuínos. A respiração, a pausa, a espontaneidade na formação das frases, a brincadeira e a informalidade personalizam os votos de felicidades e por isso me tocam de verdade. Essas sim fazem a diferença.

Chego à academia de ginástica. Digito a senha de acesso para liberar a catraca de entrada. Os votos de felicidade surgem no monitor. Diferentemente do caixa eletrônico, estes vem acompanhados de sorrisos e abraços da recepcionista. A tecnologia se agrega a ação humana para se transformar em acolhimento. De volta as atividades, acesso o e-mail. Centenas de mensagens lotam a caixa de entrada. Identifico várias pessoas conhecidas entre milhares de desconhecidos virtuais, a quem respondo em agradecimento. Não nego que a tarefa leva mais tempo que o previsto, até porque não me limito às reações automáticas. Sinto verdadeiro prazer em buscar identificar as intenções e motivações pessoais, o que me ajuda a reconhecer as verdades empregadas na ação. É incrível como a escrita traduz sentimentos e emoções, que muitas vezes, parece imperceptível a maioria das pessoas. Acho que com o passar da idade esse tipo de sensibilidade se aguça. Assim, percebemos que algumas mensagens traduzem felicidades no ato. Com um pouco de atenção consegue-se perceber até o sorriso das pessoas ao escrever determinadas coisas. Isso personaliza o conteúdo e a forma e reflete sentimentos e sensações autênticas, pois que a legitimidade se impregna nas particularidades. Por mais digital que seja a escrita atual, essa sempre continuará revelando e evidenciando características e especificidades de seus atores.

Do E-mail sou direcionado as páginas sociais. Familiares, amigos, conhecidos, colegas de profissão e de trabalho, alunos... Cada segmento em sua particularidade nos faz relembrar e fortalecer a importância dos vínculos e relações. Acima de tudo, as mensagens nos lembram os papéis sociais, e consequentemente a representação do que somos para cada pessoa que nos escreve, pois que se direcionam ao irmão, ao tio, ao ex-cunhado, ao quase parente, ao colega, ao professor, ao profissional, ao patrão, ao amigo, ao companheiro... Por fim, aniversário tem a particularidade de nos mostrar os quantos somos. Várias pessoas em uma única, ou várias representações de, e para, uma mesma pessoa. Isso nos leva a perceber que sempre seremos vistos de várias formas, por vários ângulos. Várias partes que só se juntam diante do espelho. Diante da inevitável refletividade do que somos em essência. Só o espelho captura nossos fragmentos para nos contar da passagem do tempo. Não se mente para o espelho, assim como não se mente para si mesmo. É nele que todas essas representações se encaixam para compor uma imagem da qual se pode sentir orgulho. Através dele torna-se mais fácil descobrir porque você consegue despertar emoções e sentimentos genuínos em seus pares. Por isso aconselho aos aniversariantes a sempre se olharem diante de si mesmos. Não com os olhos narcísicos, pois que estes enganam, mas com os olhos puros e inocentes da época de infância. Só esses conseguem te mostrar o quanto mais um ano de vida agregou sabedoria no desenvolvimento físico e espiritual. São com os olhos da infância que se percebe as marcas corporais que contam da tua história. E é neles que se encontra, e se renova a capacidade de se amar ao próximo como a si mesmo.

A todos, muito obrigado pelos votos de carinho e felicidades!

sexta-feira, 6 de julho de 2012

NA MORAL COM PEDRO BIAL! POLITICAMENTE CORRETO?




O QUE É MORAL E/OU IMORAL?

“É veado, bicha, gay ou homossexual? Preto, negro ou afro-descendente...?”, bombardeou ontem, Pedro Bial, em seu mais novo programa “Na Moral”. Mas cá prá nós, na moral, qual o objetivo exato do programa: provocar a reflexão social ou apenas apelar para a polêmica como forma de garantir ibope? Temas como racismo, assédio sexual e moral, homofobia, preconceitos, arte e liberdade de expressão se tornaram mote para um programa achatado. E aqui se entenda a palavra em seus sentidos erudito e popular. Primeiro “achatado” como aquilo que tem por natureza, ou que tomou a forma chata; e, segundo, “achatado” no sentido de apertado, comprimido, diminuído. Se a proposta era levar a reflexão, mostrou-se insuficiente para tamanha amplitude temática e conceitual, uma vez que, apenas o assédio sexual, ocuparia toda a programação. Trazer exemplos de uma suposta investida por parte de um chefe, contra uma estagiária, para chamar a atenção das possíveis interpretações precipitadas e/ou equivocadas acerca do assédio, torna-se insuficiente para tratar de um fenômeno que atinge e ameaça a integridade física e mental de milhares de pessoas, principalmente mulheres, no mundo do trabalho. Na moral? O que se viu, na verdade, não era assédio e sim uma cantada bem dada que terminou em final feliz. É preciso entender a diferença entre as coisas para se falar com propriedade, pois que o assédio sexual se respalda nas relações de poder, através de ações repetidas, com bases ameaçadoras. Na moral, a coisa se estabelece numa relação de “ou dá, ou desce”. Assim, apesar do apresentador trazer dados relativos ao fenômeno, bem como, empregar certo ar de seriedade na descrição das consequências para as vítimas e para o sujeito da ação, a discussão ficou no vazio por não atender aos objetivos propostos.

O grande mote da atração noturna era o velho antagonismo entre moralidade e imoralidade. Moral, que deriva do latim – “morale” – relaciona-se aos costumes, logo se contextualiza como construção social de determinada cultura. O que é moral para os brasileiros, pode não ser, por exemplo, para os Norte Americanos. Nesse contexto, moral se configura como conjunto de regras de conduta considerada como válidas, quer de modo absoluto para qualquer tempo ou lugar, quer para grupo ou pessoa determinada [Aurélio, 2012]. Assim, moral se relaciona também aos conceitos individuais. O que é moralmente aceito para mim, pode não ser para você. Por sua vez, amoral refere-se ao que não é nem contrário nem conforme a moral, ou seja, está à parte das regras definidas para, e por determinada cultura ou sociedade. Uma pessoa pode ser amoral sem necessariamente incorrer na imoralidade. Isso porque, no campo da ética, classifica-se como amoral a conduta humana que, suscetível de qualificação moral, não se pauta, pelas regras morais vigentes em um dado tempo e lugar, seja por ignorância do indivíduo ou do grupo considerado, seja pela indiferença, expressa e fundamentada, aos valores morais [Aurélio, 2012]. É desta forma que, por exemplo, um estrangeiro desavisado pode afrontar nossa moral praticando o nudismo em nossas paradisíacas praias. O ato em si, tornar-se-á imoral apenas quando praticado por libertinagem gratuita, ou por desonestidade, como afronta a um determinado costume local. Logo, a imoralidade é contrária a moralidade por contrariar a regra moral prescrita para um dado tempo e lugar.

Partindo disso, não acho que exista espaço para se questionar se o correto é designar pessoas como veados, bichas ou homossexuais; tão pouco, como pretos, negros ou afro-descendentes. Na moral, se as nomeações são necessárias à boa convivência humana, que estas se estabeleçam, e principalmente, sejam estabelecidas em bases morais, ou seja, em conformidade com o conjunto de regras definidas para a cultura brasileira. E aqui, entenda-se cultura brasileira como um coletivo miscigenado, heterogêneo e em constante transformação de formas e composições acromáticas, raciais e de gênero. Como diz satiricamente o poeta Falcão, “... o homem é homem, o menino é menino, o macaco é macaco e o veado é veado”. Cada coisa em seu lagar. Na moral! Todo mundo sabe que homossexual, veado e bicha são coisas distintas, assim como é o preto, o negro e o macaco, mesmo que ainda se mantenham erroneamente associadas nos costumes e linguagem popular. O que se estabelece, ou se discute, não é a instauração de uma ditadura do politicamente correto, mas a necessidade urgente de reestruturação do código de condutas aplicadas como forma e estratégia, inclusive, para diminuição, ou pelo menos, minimização e controle da violência em suas variadas modalidades. E este processo se dará pela introjeção do costume revisado. Neste sentido, o que se propõe é uma inversão dos processos, meio pelo qual passaremos a absorver e incorporar novos costumes com bases mais coerentes com os novos tempos. E não falo de mudar a letra das antigas cantigas de ninar ou cantigas de roda, pois que estas estavam coerentes com a moral, ou seja, conjunto de regras e condutas de um tempo passado. Fazem parte da história. E história não se apaga, pois que servirá sempre como referencial para se entender a evolução humana. O que falo é da necessidade de não se precisar recorrer a velhos paradigmas para reavivar preconceitos e fobias. Se criarmos nossas crianças em bases educacionais mais coerentes com o que se espera na modernidade, essas serão corretas por “natureza” e não por imposição. Preconceito, racismo e fobias, em suas mais variadas dimensões e manifestações, também são construções. São frutos das gerações passadas. Logo, temos o papel de definir que tipo de sociedade iremos querer estabelecer e/ou formar mais a frente.

No mesmo sentido, não sei se utilizar pessoas fantasiadas de gorilas, dançando de forma sensual junto a mulheres seminuas, pode ser considerado arte. Concordo em parte com a Maria Paula no sentido de que o problema nem sempre está no que se fala, mas na forma, e na conotação do que é dito. Porém, entendo que a arte tem como base o caráter reflexivo e a função de despertar sentimentos, inclusive motivando o prolongamento de uma idéia. Apesar de não ser especialista no assunto, acho que arte pode ser classificada como capacidade inerente ao ser humano, pela qual consegue colocar em prática uma idéia, valendo-se, contudo, da faculdade de dominar a matéria. Mas na moral, qual idéia é colocada em prática na música do Alexandre Pires? Por que, e para que, as mulheres precisam “roçar no pelo do macaco”? Para se excitarem? E neste caso, a excitação é proposta porque macacos lembram os negros garanhões, ou porque, num sentido correlato, estes e os espécimes se equivalem? Onde estava o King Kong representado? Alguém conseguiu fazer referencia direta com o clássico cinematográfico? Na moral! Se não tem domínio da matéria, a idéia original não se transforma em arte, mas apenas em brincadeira inconsequente. E brincadeira que afronta o conjunto de regras estabelecido por e para uma pessoa, ou grupo de pessoas, torna-se imoral. Acredito copiosamente que as pessoas não devem, e muito menos precisam deixar de fazer ou dizer o que pensam ou o que sentem; mas devem sim, saber e responder pelas consequencias de seus atos. Na moral, responsabilização é totalmente diferente de censura ou frescuras politizantes! Cobrar bom senso e responsabilidades de pessoas e setores formadores de opinião de massa não é ditadura ou censura. Muito menos cerceamento da liberdade de expressão. Mas, o estabelecimento de regras mais coerentes e pertinentes ao respeito a diversidade. Do mesmo jeito que posso me sentir no direito de dizer o que quiser e me expressar da forma que melhor me convier, o outro, meu semelhante, pode e tem o direito de não gostar e/ou de se sentir ofendido. É neste caso que a ética deve sempre prevalecer como fator regulador das condutas em prol dos direitos coletivos. Ou não é?

De resto, acho que o programa até tem o que agregar nesse processo de transformação cultural por que passamos, desde claro, que o Pedro Bial consinta em que os convidados se expressem de forma livre. Caso contrário, a atração tenderá a se transformar em apenas mais um palco repleto de gente e vazio de conteúdo. Na moral! Vamos respeitar para ser respeitado. Até porque no campo das imoralidades televisivas, já basta de discussões infrutíferas.

Na moral... Na moral... Na moral...

terça-feira, 3 de julho de 2012

ELEIÇÕES DO RECIFE - LULA OU ARRAES?




A SORTE ESTÁ LANÇADA: FAÇAM SUAS APOSTAS!


Confesso que, como a maioria dos brasileiros, eu não entendo muito de política. Principalmente de política partidarista. Logo, esclareço que não tenho paixão por partidos, e muito menos, por, ou pelos políticos. Mas tenho consideração e respeito pela cidade em que resido. Sou recifense por convicção e livre escolha. Para mim, carinho e cuidado exige dedicação, posicionamentos e responsabilidades. É neste contexto, o da responsabilização, que me vejo imbuído nas decisões políticas que envolvem minha cidade, meu estado, e logicamente, meu país. Atrevo-me então a fazer algumas análises, ou melhor, reflexões sobre o cenário atual. Falo aqui, não como analista político, longe disso, mas como cidadão que busca compreender a situação que se apresenta, inclusive para tomar decisões que julgue mais assertiva adiante. Afinal estamos em ano de eleição. Por isso é melhor deixar a copa e novo corte de cabelo do Neymar para outro momento.

Vivemos em um mundo dito globalizado. Não existem mais fronteiras, de certo modo, para o que é nosso e o que é do outro. Parece que tudo pertence a todos, ou seja, tudo afeta diretamente a todos, em todos os momentos. A crise econômica na Europa afeta a economia mundial, e consequentemente a nossa. Uma possível crise econômica no Brasil afetará a vida de muitos, mundo a fora. Mas o que temos realmente haver com a Grécia, principal foco dos conflitos político-econômicos? Porque a crise da Espanha, a ameaça de recessão na Itália, o fracasso socioeconômico de Portugal, o novo governo da França, a guerra do golfo pérsico e as eleições nos Estados Unidos ameaçam nossa economia? Lembro, por exemplo, que antigamente, a única referência que tinha sobre a Grécia era a figura do “Minotauro”, um ser mitológico, meio homem, meio touro, que infernizava a vida de Narizinho e Pedrinho, no Sítio do Pica-Pau Amarelo. De Portugal, vinham as realezas e as caravelas de Pedro Álvares de Cabral. Sabia que existia uma torre de metal muito alta na França, assim como um lugar chamado Coliseu, em Roma, onde leões comiam homens vivos. O Japão era uma pequena ilha repleta de pessoas de olhos puxados, atingidos por um cogumelo atômico produzido pelos EUA, que representavam o poder absoluto, e a quem devíamos uma quantidade de dinheiro que nem sabia calcular. Mas esses eram mundos distantes, inacessíveis e cheios de histórias fantásticas. Um mundo irreal para uma criança vinda do subúrbio. A Europa em si, era apenas um mapa colorido em um simples livro de geografia. Estudávamos os continentes separadamente – Europa, Ásia, África e Américas. Terras distantes, separadas por grandes oceanos.

Como diria o matuto, hoje a história é outra. Na verdade, a história é a mesma, só que contada em outra perspectiva. A história é dinâmica, e por isso mesmo, passível de mudanças. O mundo não se divide mais em continentes, e muito menos em países, mais em blocos econômicos – União Européia, Mercosul e Brinc. Muda-se a geografia, mas mantém-se a lógica capitalista, onde manda quem pode. É a moeda que rege o planeta e continua definindo os lugares de poder. O grupo dos Brincs – Brasil, Rússia, Índia e China, são fortes porque estão em desenvolvimento. Ainda possuem fôlego para ampliação de mercado, fazendo a moeda girar. Temos terras, temos recursos naturais, temos tecnologia, temos como produzir e vender alimentos, e acima de tudo, temos fome de consumo. Quanto mais se compra, mas se produz, gerando novo consumo. Manter o mercado vivo é a chave para o desenvolvimento. Nessa lógica, o homem reinventa o mercado, e o mercado reinventa o homem. Vivemos um momento de retroalimentação contínua e constante. Assim, nossa sobrevivência depende diretamente de uma coisa, ou poderosa instancia, chamada mercado. Por isso, o Brasil hoje desponta como líder do Mercosul, participa do Brinc, empresta dinheiro para a União Européia, contribui com o FMI, influencia nas decisões mundiais. Finalmente, depois de décadas de retórica fajuta, promovida pelos generais da ditadura, conseguimos nos tornar um país em desenvolvimento de verdade. Deixamos de ser meros figurantes para nos tornar protagonistas de nossa própria história e, coadjuvante na história política e econômica mundial. Como sempre me diz um grande amigo, “eu vivi para ver isso”.

Mas, o que isso tudo tem haver com o Recife? A resposta é, logicamente, tudo! Se o mundo fervilha, a capital pernambucana “frevilha” mais ainda, mesmo que em uma perspectiva micro. Estamos em ebulição, e não por causa do frevo, mas por causa do que representamos econômica e politicamente para o Brasil. Somos atualmente o estado com maior índice de crescimento econômico do país. Numa comparação semelhante, se São Paulo, e os estados do Sul, não têm mais para onde crescer, nós temos fôlego e sede de consumo. Pela primeira vez, em séculos de exclusão e penúria, o Nordeste retorna ao passado de lutas e mostra sua força. Nós até decidimos eleições presidenciais. Pernambuco é o centro do desenvolvimento nordestino. É aqui que se concentram os grandes investimentos na atualidade. Recife então se torna o centro das atenções políticas. Torna-se estratégica para a manutenção do poder. Nessa luta apresentam-se os jogadores. De um lado o PT, totalmente chamuscado pelos estilhaços do camicase João da Costa; do outro, o PSB que já governa o Estado. Se um propõe a retomada da gestão democrática comanda durante oito anos, pelo atual candidato a vice-prefeito João Paulo - em minha opinião, o melhor prefeito que o Recife já teve nas últimas quatro décadas; o outro se apresenta como alternativa a uma gestão técnica, e menos política. E neste caso, a gestão técnica tem se apresentado como estratégia eficaz para o desenvolvimento desejado e necessário a qualquer cidade. A Dilma Rourseff é um excelente exemplo de gestão técnica.

Parafraseando Carlos Drummond de Andrade, o João da Costa se tornou “uma pedra no meio do caminho”. Em pouco tempo conseguiu acabar com anos de trabalhos e projetos do Partido dos Trabalhadores. A ineficiência de sua gestão provocou o desmoronamento do cenário sociopolítico e econômico do Recife. Sua posição de homem-bomba provocou o já previsto rompimento da Frente Popular, antecipando para as eleições de 2012 o reordenamento e a reorganização partidária, ou partidarista. O que temos em jogo é o destino, não só da cidade alvo, mas dos governos futuros. O PT precisará manter-se forte na Região Nordeste para consolidar sua candidatura presidencial em 2014. O PSB precisará se consolidar em Recife para fortalecer, impor e articular sua possível candidatura a presidência da república. Uma derrota do PT abala a imagem e poder do Luiz Inácio. Uma derrota do PSB compromete os planos de Eduardo Campos. O que se configura é uma batalha entre simbólicos ídolos pernambucanos. Assim, a eleição em Recife não se dará entre PT versus PSB, mas entre Lula e Arraes. Num momento em que se vive e se constata de forma irrefutável a teoria do caos no cenário mundial, “onde o bater das asas de uma borboleta, na floresta amazônica, pode provocar um tsunami no Japão” [Edward Lorenz, 1963], melhor pensar duas vezes antes de definir o voto. De qualquer forma, façam suas apostas. A sorte está lançada!